A chamada “Via de la Plata” corresponde a um trajecto romano com orientação sul-norte que ligava o porto de Cádiz a Astorga, passando por Sevilha, Mérida, Cáceres e Salamanca. O investimento nesta rota pela adiministração romana é particularmente evidente no troço entre Mérida e Salamanca, com sucessivos melhoramentos do percurso ao longo atestados quer pela construção de pontes quer pela extensa marcação miliária indicando a distância à capital da Lusitânia.
Carcaboso 100 m.p. Depois de cruzar o rio Tejo na Ponte Romana de Alconétar, a via seguia a oeste de Plasencia, próximo das actuais povoações de Galisteo e Carcaboso, onde cruzava o rio Jerte. Ora, este local é deveras relevante dado que se encontra a cerca de 100 milhas de Mérida. Com efeito vários miliários da milha 102 e 103 foram reunidos na Iglesia de Santiago Apóstolo em Carcaboso. Dois encontram-se no adro e dois servem de pilares na frontaria. Foram seguramente deslocados da via que passa cerca de 2 km a nascente, seguindo pelo alto de San Pedrillo onde a estrada vencia 100 milhas a Mérida.
Miliários reunidos em torno da Igreja do Apóstolo Santiago em Carcaboso (Plasencia) provientes das milhas 102 e 103 que eram vencidas a norte desta povoação.
Capara 110 m.p. No entanto, a estação viária não era neste local mas 10 milhas adiante, num local actualmente conhecido por Vendas de Cápara onde se viria a desenvolver a relevante povoação romana de nome Capara. Com efeito, um miliário de Nero encontrado na cidade confirma a distância de 110 milhas daqui a Mérida. Este um importante ponto de paragem no percurso para Salamanca, com cerca de um terço do caminho percorrido (Mérida-Salamanca = 280 m.p.) .
Duas milhas adiante apareceu um outro miliário de Adriano que foi levado para o palácio do conde de Oliva de Plasencia. Actualmente encontra-se encastrado num muro próximo da igreja de Oliva.
O chamado Itinerário XX de Antonino (dita Via XX) faz todo o seu percurso em território espanhol e por isso nunca foi abordado em detalhe no site viasromanas.pt, limitando-se a apresentar algumas das propostas recolhidas na bibliografia existente, em si bastante divergente (Maside, 2001; Vila Goméz, 2005). No entanto, na sequência do publicação da proposta completa de traçado do Itinerário XIX que ligava Braga a Lugo por Ponte de Lima e Tui (ver aqui post ‘O Itinerário XVIII Bracara-Asturica pela Serra do Gerês‘), foi possível rever os dados disponíveis sobre esta variante também de Braga a Lugo, mas cognominada de ‘per loca maritima‘, algo como “por locais marítimos”. Com efeito, ao contrário daquele, a parte inicial do Itinerário XX segue um trajecto marítimo ao longo da costa galega, atendendo ao facto de as distâncias intermédias serem indicadas em estádios (um estádio = cerca de 185 m ou 1/8 da milha) , unidade habitualmente utilizada em itinerários marítimos ou fluviais.
A seguir apresenta-se uma nova proposta de traçado para este itinerário, em total consonância com as distâncias indicadas nos códices medievais do Itinerário de Antonino, assim como propostas inéditas de localização das estações intermédias, com destaque para a elusiva Brigantium, tradicionalmente associada à Coruña sem qualquer suporte factual, e que, segundo o trajecto seguido, estaria na área da actual povoação de Foro (Boimorto). A segunda estação referida é Caranico, presumivelmente localizada junto da Igreja de Santa Maria de Ramellle (Friol).
A localização de Aquis Celenis ou Quecelenis A parte do Itinerário em território português entre Braga e a primeira estação referida no Itinerário, Aquis Celenis, tem suscitado muitas dúvidas, com diversos autores a proporem um rota terrestre alternativa à via Braga – Ponte de Lima – Tui, partindo de Braga rumo ao litoral, rumo a Esposense ou a Caminha. No entanto, é mais plausível que este itinerário siga o mesmo traçado do Itinerário XIX até Tui, simplesmente omitindo as duas primeiras estações, Limia e Tudae. Assim, os primeiros 165 estádios (cerca de 30 km) medidos a Aquis Celenis seriam referentes à rota fluvial através do rio Minho entre Tui e a sua foz em Caminha, um percurso que de facto ronda os 30 km ou 20 milhas (Crespán, 2015 e 2016).
Também a grafia desta estação é muito duvidosa dado que o mesmo topónimo surge também na Itinerário XIX , mas localizado muito mais a norte, presumivelmente em Caldas dos Reis (Pontevedra). Assim é mais provável que sejam diferentes estações, uma localizada na foz do Minho (a do Itinerário XX) e outra em Caldas dos Reis (a do Itinerário XIX).
Nesta discussão, importa recuperar o topónimo ‘Quecelenis‘ referido na geografia do Anónimo de Ravena, na mesma sequência de Tui, e que poderá ser a verdadeira designação desta estação na foz do Minho. A ser assim, o povoado de Quecelenis poderia corresponder ao Castro de Santa Tecla, ou ao respectivo porto marítimo na foz do rio Minho. Com efeito, Estrabão refere que “diante da sua embocadura situam-se uma ilha e dois quebra-mares com ancoradouros” (Deserto e Pereira, 2016) que poderá ser identificada com a pequena ilha onde assenta o Forte da Ínsua .
Itinerário de Aquis Celenis/Quecelenis a Santiago de Compostela A rota continua para norte fazendo um périplo pelos portos da costa Galega rumo a Santiago de Compostela. Aliás, esta foi a rota utilizada pela barca que transportou o Apóstolo até Compostela, denunciando a manutenção deste percurso durante esse período. Inicialmente percorre 195 estádios (cerca de 35,8 km) até Vico Spacorum, distância que coloca esta paragem no acesso à ria de Vigo.
O topónimo Vico poderá ter relação com o Castro de Vigo, mas este localiza-se no interior da ria. Assim, Vico Spacorum poderá referir um local à entrada da ria, podendo este ser identificado com o sítio romano de Toralla. Aqui subsistem importantes vestígios de uma villa monumental, com um complexo sistema termal, portanto, compatível com uma estação viária. Aliás, o topónimo pode ser desdobrado em ‘spa-corum‘ (no sentido de ‘águas termais de Corum’), o que permite estabelecer uma relação com as termas ali existentes
Percorrendo mais 150 estádios (cerca de 27,5 km) atingia Ad Duos Pontes(literalmente ‘junto das duas pontes’) que poderá localizar-se no castro marítimo de Lanzada (Noalla), cuja ocupação remonta ao Bronze Final. Daqui penetrava na ria de Arousa, a maior das rias da Galiza rumo a Santiago de Compostela. Uma ara votiva encontrada em Lugo é dedicada à divindade Lucobo Arousa(ega) evidencia a relevância deste canal de penetração ao interior na Galiza através da ria de Arousa.
Entrando pela ria adentro, seguia para o porto romano do Adro Vello (Praia do Carreiro, Grove); ara aos lares viales), daqui seguia até à margem do castro marítimo de Vistalegre (Vilagarcia de Arousa; inscrição a Neptuno), percorrendo 180 estádios (cerca de 33 km) até ao porto de Grandimiro (Grandimuro ou Glandimiro), presumivelmente localizado na área da Cabo do Cepo em Quintáns, na base do Castro das Cercas.
A partir daqui o Itinerário XX passa a indicar as distância em milhas, sinal de que o percurso continuava por via terrestre, percorrendo as 22 milhas indicadas rumo à estação de Trigundo, seguindo pela margem direita do rio Ulla por Torres do Oeste (outra ara aos lares viales), Bexo e Tallós até Padrón, reunindo com o Itinerário XIX. Neste último local, dentro da Capela de Santiago, existe uma ara dedicada a Neptuno pelos Corienses (CIL II 2540) que a lenda diz ser a pedra onde foi amarrada a barca do Apóstolo Santiago, sugerindo assim que a barca poderia ter chegado até aqui através dos rios Ulla e Sar. O destino final do Apóstolo seria a estação viária de Trigundo, conforme é designada no Itinerário XX
Santiago de Compostela assenta assim num importante nó viário que estrutura a rede de vias antigas desta parte da Galiza, na confluência dos Itinerários XIX e XX e articulando estes coma as ligações à Coruña e a Lugo. Mais uma vez salta à vista a grande perenidade destas estações viárias antigas, na estruturação do mundo medieval, escolhendo como destino final para o corpo do Apóstolo uma estação romana situada num ponto absolutamente estratégico da rede viária regional, facilitando assim o acesso dos peregrinos vindos de todas as direcções.
Itinerário de Santiago de Compostela (Trigundo) a Lugo (Lucus Augusti) Se até aqui a rota do itinerário é relativamente consensual (apesar das grandes divergências entre autores na localização das respectivas estações), o mesmo não se pode dizer das restantes etapas até Lugo. Com efeito, a maioria dos investigadores prolonga a rota do Itinerário XX por Arzúa e Vilamaior de Negral rumo a Lugo, via que de facto existe, mas que seria antes o trajecto descrito no Itinerário XIX. Assim, o Itinerário XX deveria seguir por uma variante norte, seguindo por Boimorto e Friol, locais onde apareceram miliários (Monteagudo, 1981; Gesto et al, 1997) .
Este trajecto deriva logo depois de Santiago de Compostela (San Marcos), seguindo junto da Capela da Agra de Santiso (provável mutatio; duas aras dedicadas aos lares viales e outras inscrições; Peréz Losada, 1988) e San Gregório, em direcção a Boimorto (miliário de Maximino, actualmente defronte da Casa do Concello; Monteagudo, 1981; Peréz Losada, 1988), continuando daqui até Foro, povoação que está a 30 milhas de Santiago, e onde se regista os topónimos viários Hospital e Mesón. Ora, esta distância acerta com a estação de Brigantium, sendo que nas proximidades regista-se o lugar de Arentia (Fonte e Capela de San Cidre/San Vitorio), divindade com mais expressão na Lusitânia (Castelo Branco e Estremadura espanhola), sinal de que por aqui passavam viandantes de outras paragens.
A partir de Foro (=Brigantium), a via deveria continuar para norte passando no acampamento romano de Ciadella (Cohors I Celtiberorum ), porém o Itinerário inflecte para nascente rumo a Lugo, seguindo junto do Mosteiro de Sobrado em direcção a Friol. Próximo desta última povoação (actual sede concelhia) assentaria a estação de Caranico, dado que este local se encontra a 18 milhas de Foro e a 17 milhas de Lugo, ou seja, as distâncias intermédias indicadas no Itinerário. Ora, segundo a contagem miliária, a estação estaria na área da Igreja de Santa Maria de Ramelle, cerca de duas milhas antes de atingir Friol. Daqui seguia pelo Monte Lodoso, onde apareceu um miliário indicando 13 milhas a Lugo (Gesto et al, 1997). Daqui segue por Guldriz de Abaixo, Ermida de Santa Marta, Locai e Astariz, atingia Lugo. O ponto de reunião com a variante sul (Itinerário XIX) seria junto do cruzamento da ribeira de Louzaneta em Areeiras (a última milha), seguindo depois a chamada ‘Estrada Vella de Santiago’ até à ponte romana de Lugo .
Com a publicação desta proposta de trajecto para o Itinerário XX fica finalmente completa a descrição de todos os Itinerários de Antonino no actual território português, fechando assim um ciclo de estudos iniciados por mera brincadeira no já longínquo ano de 2004!
Continuando a descrição do Itinerário XVI, vamos agora analisar a sua passagem por Conimbriga, seguramente localizada nas ruínas romanas junto de Condeixa-a-Velha, subsistem ainda dúvidas sobre qual seria o trajecto da via. A indicação de 10 milhas a Aeminium, actual Coimbra, é também coerente com esta identificação.
Itinerário XVI Seilium Conimbriga m.p. XXXIIII Aeminium m.p. X Talabriga m.p. XL
A aproximação à cidade fazia-se sem dúvida pelo lugar de Tamazinhos, onde apareceu um miliário indicando oito milhas, valor compatível com a distância a Conímbriga, no entanto, subsistem dúvidas sobre o trajecto seguido até à cidade romana que, tal como as restantes estações deste itinerário, assenta sobre um povoado anterior pré-romano (Correia, 1993).
O primeiro traçado proposto seguia um trajecto directo à cidade, passando por Fonte Coberta e lugar do Poço. No entanto, este percurso era suspeito e avesso à normal tipologia da viação antiga dado que obriga a uma dupla travessia do Rio de Mouros.
Tentou-se assim uma alternativa que evitasse esse obstáculo, fazendo seguir a via mais a nascente, por Alcabideque, local onde subsiste o sistema romano de captação da água que alimentava a cidade por um aqueduto. Se por um lado, esta hipótese permitia um trajecto menos acidentado e mais directo Coimbra, por outro lado, não havia maneira de acertar a marcação miliária com as 10 milhas indicadas a Coimbra nem com as 8 milhas indicadas no miliário de Tamazinhos.
Deste modo, procuramos uma alternativa que cumprisse com esses critérios. Depois de vários hipóteses, consideramos que o traçado mais provável seria aquele que vinha de Coimbra pela Venda do Cego, Eira Pedrinha e Ponte de Atadôa. Aliás, Gaspar Barreiros (com base num manuscrito de Acurcio) refere a existência de inscrições junto desta ponte, uma das quais mencionando um tal Valerius Avitus nascido em Conimbrica, o que permitiu associar este topónimo às ruínas junto a Condeixa-a-Velha (Barreiros, 1565: fl. 49-50; CIL II 391).
Ora, esta hipótese é reforçada pelo facto de Eira Pedrinha se encontrar a oito milhas de Coimbra, apontando para a existência de uma mutatio neste local. De facto, em torno da Capela da Sra. da Piedade apareceram vestígios romanos, nomeadamente tijolos de coluna e um pavimento de opus signinum. Por outro lado, no morro adjacente regista-se o topónimo “Castelo” que corresponde a um povoado do Bronze Final (Vilaça, 2012: 21). Apareceram também algumas pedras visigóticas, actualmente no Museu Machado de Castro, tendo uma delas sido reutilizada no arco cruzeiro (Gaspar, 1983: 189).
Continuando o percurso para sul, a nona milha era vencida junto da Capela de Atadôa, de onde partiria um ramal de acesso a Conímbriga perfazendo as 10 milhas indicadas no Itinerário. No entanto, para quem seguia para Olisipo poderia evitar a cidade seguindo em direcção à Portela da Mata da Alfarda, ponto que por sua vez está a 10 milhas de Coimbra e a 34 de Ceras como indicado no Itinerário (ver post anterior) .
O restante trajecto rumo à travessia do Rio Mondego não oferece grandes dificuldades, sendo a marcação miliária assinalada por vários sítios romanos que seguramente teriam uma função viária.
A meio percurso entre Eira Pedrinha e o Mondego viria a estabelecer-se um acampamento romano em Antanhol (destruído pela construção do aeródromo), permitindo exercer controlo sobre esta importante passagem.
Depois de cruzar o rio, a via continuava para norte em direcção a Sargento Mor. Antes fazia-se passar a via por Cioga do Monte, mas o acidentado do terreno sugere uma ligação mais directa seguindo a rota da actual EN. A via seguia em direcção à povoação da Vimieira (Mealhada), local onde apareceu um miliário indicando doze milhas, ou seja, a distância daqui a Coimbra, indiciando a possível existência de uma estação viária neste local, possivelmente no sítio romano conhecido por «Cidade das Areias».
A via seguia depois por Anadia e Águeda rumo a Talabriga, estação que deverá estar relacionada com a travessia do Rio Vouga. No entanto, a sua localização continua a dividir os investigadores dado que o Itinerário indica 40 milhas entre Aeminium e Talabriga quando a distância entre o Mondego e o Vouga não ultrapassa as 34 milhas, problema que será abordado no próximo artigo centrado em Talabriga.
Continuando a série de artigos sobre a rota de Lisboa a Braga, chegamos agora à terceira estação mencionada no Itinerário XVI que, na maioria dos códices medievais é designada por «SELLIUM» ou «CELLIUM». A descoberta de duas inscrições de emigrantes Seilienses, uma encontrada perto de Porto do Son, Galiza (CIL II 2562) e outra dentro do Mosteiro de Lorvão (HEp 9, 1999, 743), sugere que a grafia correcta seria «SEILIUM». Estas divergências resultam muito provavelmente do facto do Itinerário que conhecemos hoje é o resultado de sucessivas cópias medievais produzidas desde a Alta Idade Média sobre o título de Itinerarium Antonini Augusti, acrescentando distorções ao documento original quer nos topónimos quer nas distâncias assinaladas. A sua identificação com Tomar reúne actualmente um grande consenso entre investigadores, no entanto, esta localização apresenta ainda algumas questões por resolver como veremos a seguir.
A primeira tentativa de localização desta estação deve-se a Gaspar Barreiros que no século XVI propunha a sua identificação com “a vila de Ceice, junto a Tomar” (Barreiros, 1561: fl. 48; actualmente designada por Seiça, Ourém) seguindo a similitude fonética com Ceilium. Esta proposta foi seguida por André de Resende no seu “Antiguidades…”, acabando por cristalizar na historiografia portuguesa. Só nos alvores do século XX é que alguns autores retomariam a questão, em particular o trabalho pioneiro de Vieira de Guimarães, alertando para os inúmeros vestígios romanos que iam aparecendo na cidade de Tomar, assim como a provável passagem da via romana nesta importante travessia do rio Nabão (Guimarães, 1927: 13-27). Vieira de Guimarães combatia assim os mitos e lendas que vinham associando esta povoação à antiga Nabância (seguramente guiados pelo hidrónimo Nabão) e ao martírio de Santa Iria, teses que viriam a revelar-se infundadas (Peixoto e Martins, 2020: 109).
Do pouco que sabemos sobre este povoado, supõe-se que teria atingido estatuto municipal com base numa inscrição votiva dedicada ao Genio / municipi(i) que apareceu reutilizada na construção da torre de menagem do castelo templário (AE 1993, 881; RAP 256). Em concordância com esta hipótese, a marca de oficina “R. p. S.” registada em dois tijolos (HEp 11, 2001, 703 e 704) que apareceram próximo da cidade foi desdobrada em R(es) p(ublica) S(eiliensis) (Fernandes e Ferreira, 2002). Este estatuto administrativo parece ter continuidade na Alta Idade Média com base no Paroquial Suevo que menciona Selio como uma das sete paróquias que integravam a diocese Conimbricensis. Segundo um documento de 1317, transcrito por Pedro Alvares Seco da Ordem de Cristo, «Santa Maria de Thomar» (possivelmente a actual igreja templária de Santa Maria do Olival) seria anteriormente designada por «Santa Maria de Selio» (Guimarães, 1927: 103-107), mas a partir daí o topónimo entra em total penumbra.
Apesar da escassez de informação é muito provável que toda esta área integrasse o território da Civitas Seilienis durante o período romano. A posterior identificação de estruturas romanas nas traseiras do quartel dos bombeiros, associadas a um possível forum, parecia vir confirmar esta localização (Ponte, 1995). No entanto, continuam a existir dúvidas entre os investigadores quanto à tipologia e funcionalidade dos edifícios que ali existiam. Nesse sentido, também seria possível associar estes vestígios à estação viária que aqui certamente existia, atendendo à importância desta travessia e ao achado de miliários (ver viasromanas.pt#tomar).
As dúvidas na identificação de Seilium com Tomar estão também relacionadas com a aparente incompatibilidade desta localização com a informação constante no Itinerário. De facto, é impossível ir de Tomar a Conímbriga percorrendo apenas as 34 milhas indicadas no Itinerário, seja qual for o percurso escolhido, dado que no terreno contam-se cerca de 42 milhas, havendo portanto um défice de oito milhas. Na maioria das edições esta parte do Itinerário XVI é transcrita da seguinte maneira:
De facto, percorrendo oito milhas em direcção a norte partindo de Tomar, seguindo a proposta de traçado lançada por Vieira de Guimarães (hoje praticamente consensual), o trajecto por Calçadas, Freixo, Ceras, Portela de Vila Verde e Rego da Murta, rumo a Conímbriga (Guimarães, 1927: 13-27; Mantas, 1996), atingimos a oitava milha junto da travessia da ribeira de Ceras, local por sua vez a 34 milhas de Conímbriga conforme é indicado no Itinerário. Junto da ponte medieval que ali existe, Vieira de Guimarães fotografou um mais que provável miliário (entretanto perdido), apontando para a existência de uma estação viária neste local.
No entanto, a sua identificação com Seilium do Itinerário revela-se problemática. Desde logo, não há registo de vestígios romanos na área de Ceras (para além do miliário) que possam corroborar esta hipótese , nem evidências seguras do “castrum quod dicitur Cera“, referido no documento de doação do Termo de Cera de 1159, povoado a que Vieira de Guimarães chama de “castrum romano” sem precisar a sua localização. Para Salete Ponte esta fortificação estaria no Monte do Alqueidão, seguindo proposta anterior de Amorim Rosa (Ponte, 1995: 292). Por seu lado, João Romão apontou para o monte das Castelhanas, onde identificou um possível recinto amuralhado, ainda bem visível nas fotografias de satélite (Romão, 2012: 99).
A única referência a este local é do ano 1542 quando Pedro Álvares Seco refere a existência de vestígios de uma fortificação que associa ao “Castelo de Ceras”, mas cerca de dois séculos depois, em 1799, Viterbo já nada viu de relevante (Barroca, 1997: 178). Para Carlos Batata (coordenador da Carta Arqueológica da região), não há evidências materiais que suportem qualquer uma destas localizações (Batata, 1997). Este autor sugeriu a sua localização no Castro da Pena, a sudoeste de Ceras (Batata, 2023), onde há vestígios de um povoado romanizado. A distância de cerca de duas milhas que separam este povoado do trajecto da via não seria caso inédito (por ex.: Langóbriga), mas também não deixa de fragilizar esta hipótese. Como nenhum destes locais foi até hoje convenientemente escavado e estudado, a questão permanece em aberto.
Apesar desta dúvida na localização, tudo indica que a sede da CivitasSeiliensis cobria um território que corresponderia grosso-modo ao termo medieval de Cera. De facto, em diploma régio de 1159, D. Afonso Henriques doa o Termo de Cera aos templários com a obrigação destes reconstruirem a antiga fortaleza de Ceras, designada no documento por “castrum quod dicitur Cera” (DMP, DR I, doc. 271). Esta acção do primeiro rei de Portugal visava restabelecer o controlo do território recentemente conquistado aos “mouros” através de doações à ordem do templo com a obrigação destes reconstruirem as fortalezas entretanto arrasadas pelo conflito. Para isso escolhe pontos estratégicos da rede viária que permitiam consolidar o poder cristão nestes territórios. Porém, no caso do Castelo de Ceras isso não viria a acontecer, dado que cerca de um ano depois, Gualdim Pais abandona o projecto de construção do castelo sobre as ruínas do castrum antigo e inicia a sua construção em Tomar, futura sede templária em Portugal, por ter “melhor cabeço e melhores águas” (Barroca, 1997: 178).
Apesar de não haver dúvida de que o núcleo urbano romano viria a desenvolver-se em Tomar, local de cruzamento do Nabão, nada obsta a que o Itinerário refira a antiga cabeça de território, eventualmente localizada em Ceras. De resto, todas as estações do Itinerário XVI correspondem a povoados proto-históricos, muitas vezes remontando às antigas “chefaturas” do Bronze Final, o que é bem revelador da ancestralidade desta rota. A favor da sua localização no Monte das Castelhanas é o facto de este servir actualmente de quadrifinio entre as freguesias de Areias, Chãos, Casais e Alviobeira (sendo que Ceras integra esta última), mostrando que este local é de há muito utilizado como referencial geográfico.
Deste modo, tanto Ceras como Tomar apresentam argumentos favoráveis à sua identificação com Seilium, mas em ambos os casos, haveria que corrigir o Itinerário, possivelmente em resultado de um erro introduzido pelos copistas medievais na marcação miliária. Se, por um lado, admitirmos a sua localização em Ceras, temos conformidade com a distância a Conímbriga (34 m.p.), mas haveria que corrigir a distância de Seilium a Scallabis de 32 para 42 milhas, a distância aproximada entre Ceras e Santarém. Eventualmente houve troca entre os numerais “XXXXII” (42) e “XXXII” (32, omitindo o primeiro “X”) dado que esta forma de representar quatro dezenas surge em outras rotas do Itinerário (“XXXXX” em vez de “XL”).
Se por outro lado posicionarmos esta estação em Tomar, haveria que corrigir a distância de Seilium a Conimbriga, passando neste caso de 34 para 42 milhas, o que poderia ser explicado por eventual troca entre os numerais “XXXXII” (42) e “XXXIIII” (34), confundindo o terceiro “X” por dois traços verticais “II”.
Assim, haveria duas hipóteses de correcção: Correcção com Seilium em Ceras SCALLABIN SEILIUM XXXXII (42) CONIMBRIGA XXXIIII (34)
Correcção com Seilium em Tomar SCALLABIN SEILIUM XXXIIII (34) CONIMBRIGA XXXXII (42)
Em síntese, a localização de Seilium em Tomar está longe de estar fechada e nada nos dados disponíveis permite descartar a hipótese da sua identificação com a arruinada fortificação referida na Carta de Doação do Termo de Cera à Ordem de Cristo. Acima de tudo, mais que resolver a questão, pretendemos alertar para as incertezas que ainda rodeiam a identificação de muitos destes topónimos, cujas localizações são por vezes dadas como seguras, quando na verdade estamos bem longe dessas supostas certezas. No próximo artigo analisaremos a passagem da via por Conímbriga.
Bibliografia citada: PEIXOTO, J. ; MARTINS, A. C. (2020) – “Vieira Guimarães (1864-1939) e a arqueologia em Tomar: uma abordagem sobre o território e as gentes”. In J. M. Arnaud, C. Neves, & A. Martins (Eds.), Arqueologia em Portugal: 2020 – Estado da Questão (pp. 101-112). Associação dos Arqueólogos Portugueses | CITCEM. BARREIROS, Gaspar (1561) – “Chorographia de alguns lugares que stam em hum caminho que fez Gaspar Barreiros”. Coimbra: João Aluarez. BATATA, C. (1997) – “As origens de Tomar: a carta arqueológica do concelho”. Tomar: Centro de Estudos e Protecção do Património da Região de Tomar. BATATA, C. (2023) – “O termo de Cera, os Templários e o povoamento do espaço”. Tomar: II Colóquio Internacional da Rota Templária Europeia. Cadernos Culturais Nabantinos, Vol. 3, 127-133. BARROCA, M. J. (1997) – “A Ordem do Templo e a arquitectura militar portuguesa”. Portvgália, Nova Série, Vols. XVII-XVIII (1996-1997), 171-209. FERNANDES, L. S.; FERREIRA, R. (2002) – “Marcas de oficina em tijolos romanos de Seilium. Conimbriga, 41, 257-267. GUIMARÃES, Vieira (1927) – “Thomar. Sta. Iria”. Lisboa: Livraria Coelho. MANTAS, Vasco G. (1996) – “A Rede Viária Romana da Faixa Atlântica entre Lisboa e Braga”. Dissertação de doutoramento (policopiada), Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. PONTE, Salete da (1995) – “Achegas para a Carta Arqueológica – Tomar”. Porto: in Portugália, Vol. XVI, 291-309. ROMÃO, João M. (2012) – “No encalço do passo do Homem medieval: as vias de comunicação do antigo termo e atual concelho de Tomar”. Dissertação de Mestrado em Arqueologia – FCSH.
Continuando a série de posts sobre o Itinerário XVI vamos agora analisar a sua passagem por Santarém rumo a Tomar. Não restam muitas dúvidas sobre a associação do povoado que ocupava o morro de Santarém a Scallabis. Segundo o Itinerário, esta estação estava a 32 milhas de Ierabriga, distância compatível com o percurso entre o Povoado dos Castelinhos e a base do morro de Santarém junto à margem direita do Tejo (ver post anterior).
De Scallabis a via continuava até Seilium percorrendo, segundo o Itinerário, 32 milhas. Ora, este valor parece insuficiente para cobrir o percurso entre Santarém e Tomar dado que a distância em linha recta se aproxima já das 31 milhas. Deste modo, é provável que a via seguisse pela margem do rio e não uma rota mais interior passando por Torres Novas como tem sido proposto (Mantas, 1996; Romão, 2012). Aliás, este corresponde ao trajecto descrito pelo Padre Castro no seu Roteiro Terrestre para a Estrada Real de Santarém a Tomar.
A partir de Santarém a via seguia por quatro milhas (uma légua) até à “Cruz da Entrada”, também designada por Cruz da Légua , havendo vestígios romanos nas proximidades (Cirne). Logo depois fazia a travessia o rio Alviela para daí cruzar a antiga Ilha de Alvisquer por Azinhaga rumo à Golegã (Figura 2). Inicialmente fizemos passar a via próximo do importante povoado fortificado de Chões de Alpompé (a 8 milhas a norte de Santarém) e do povoado de Pombalinho (vestígios de ocupação que remonta à Idade do Bronze).
No entanto, a marcação miliária aponta para um traçado mais recto seguindo em direcção a Azinhaga, a 12 milhas a Santarém, sugerindo que neste local haveria estação viária, provavelmente uma mutatio. Aliás, o topónimo Azinhaga remete para a existência da via (do árabe, “o-caminho”). O troço em causa começa na Cruz da Légua (4 m.p. a Santarém), onde há vestígios romanos (Cirne) e segue pela antiga Ilha de Alvisquer até Azinhaga (Figura 2).
Cruzava depois o Rio Almonda em direcção à Golegã, mas a partir daqui as dúvidas acentuam-se, dado que não foi ainda possível determinar o local onde se fazia a travessia da Ribeira de Beselga. Existem várias possibilidades que reduzimos a três hipóteses. A primeira hipótese seguia mais a ocidente por Paialvo, trajecto mais de acordo com a viação antiga pois cruza a Ribeira da Beselga mais a montante . A segunda hipótese (cor rosa) seguia um percurso mais recto a Tomar cruzando a Ribeira de Beselga junto do miliário dos Santos Mártires. Por fim, existe ainda a hipótese da via seguir o percurso da antiga “Estrada Real” Santarém-Tomar passando em Atalaia e Asseiceira e Santa Cita, seguindo depois a margem direita do Nabão até Tomar.
Na Carta de Doação da albergariam de Saiceira em 1222 a Pedro Ferreiro e a Maria Vasques, sua mulher, com a “condição de a aproveitarem e utilizarem melhor do que os seus antecessores”, refere como limite oeste da propriedade a ‘strata colimbriana ad Sanctarem’ desde a “Conchada de Beselga” até ao término ‘inter ambas lagonas´ (PMM doc 72), no entanto, a localização destes locais é incerta e não sabemos a qual das hipóteses se refere.
Em síntese, a via de Santarém a Tomar seguia uma rota paralela ao rio Tejo até à Golegã, mas a partir daqui parece bifurcar, um ramo seguindo mais a oeste por Paialvo, Fungalvaz, Ansião e Eira Velha, em direcção a Coimbra, e outro, o referido no Itinerário, seguia directo a Tomar para aí cruzar o rio Nabão, continuando por Ceras rumo a Conímbriga. No entanto, não há acerto com as distâncias indicadas no documento para a etapa seguinte entre Seilium e Conimbriga, pois o Itinerário indica 34 milhas, valor manifestamente insuficiente para cumprir o percurso entre Tomar e Conímbriga, problema que será abordado na Parte 3 desta série de artigos, a propósito da localização de Seilium.
Item ab OLISIPONE BRACARAM AUGUSTAM m.p. CCXLIII Ierabriga m.p. XXX Scallabis m.p. XXXII Seilium m.p. XXXII Conimbriga m.p. XXXIIII Aeminium m.p. X Talabriga m.p. XL Langobriga m.p. XVIII Cale m.p. XIII Bracara m.p. XXXV
Este grande itinerário ligava o porto de Olisipo a Bracara, decalcado o antigo eixo viário que perdura até aos dias hoje. Apesar da sua importância e de conhecermos o seu trajecto em traços gerais, subsistem ainda grandes dúvidas na localização das estações intermédias. De facto, além dos caput viae, Lisboa e Braga, só temos certezas sobre a localização de Scallabis (Santarém), Conimbriga (Condeixa-a-Velha), Aeminium (Coimbra) e Cale (Porto/Gaia). Quantos às restantes estações, Ierabriga, Seilium, Talabriga e Longobriga, embora se consiga estimar a sua provável localização, ou pelo menos, a sua área de influência, o seu exacto posicionamento continua em dúvida, não havendo provas conclusivas que possam fechar em definitivo esta discussão iniciada pelos iluministas do século XVI. Permanece assim como uma das grandes questões em aberto na viação antiga do nosso país.
Desde logo, é muito provável que haja erros nos valores indicados pelo Itinerário para as distâncias intermédias, dado que a distância total indicada de 244 milhas é insuficiente para cumprir um percurso entre Lisboa e Braga que, segundo o traçado proposto, ronda as 259/260 milhas. Mas em que pontos estariam esses erros?
As dúvidas surgem logo na primeira estação para quem partia de Olisipo. Tradicionalmente, Ierabriga tem sido identificada com Alenquer, hipótese que foi sendo reforçada com a descoberta de muitos vestígios romanos no aro desta povoação (incluindo diversos miliários) que apontavam para a existência de uma estação viária nesta povoação. Apesar de ser praticamente consensual, esta identificação contraria a informação registada no Itinerário, dado que este indica 30 milhas para esta etapa quando a distância entre estes pontos ronda as 33 milhas.
Ora, seguindo o percurso proposto por Loures, Alverca e Vila Franca de Xira, atingimos a milha 30 na base de um dos mais importantes povoados da margem do Tejo, o Povoado do Monte dos Castelinhos.
Aliás, sendo o topónimo terminado em briga, é muito mais provável tratar-se de um povoado pré-romano fortificado e não um povoado aberto como o assentamento romano de Alenquer.
Está localização no Povoado dos Castelinhos é também coerente com as 32 milhas indicadas no Itinerário entre Ierabriga e Scallabis, a estação seguinte. De facto, essa é a distância medida entre a base de Castelinhos e a base do morro de Santarém, o que vem reforçar este posicionamento. Neste local a via abandonava a margem do Tejo e seguia para Alenquer, de modo a evitar o vasto Paúl da Ota que seria intransitável.
Esta situação está longe de ser inédita na viação romana e é perfeitamente clara neste Itinerário, dado que a totalidade dos topónimos correspondem a povoados pré-romanos e não a estações viárias romanas. Estes povoados seriam seguramente as cabeças administrativas dos territórios atravessados pela via, continuando depois com sede das civitates do período romano, tendo em muitos casos continuidade como cabeça dos termos medievais.
O problema complica-se nas etapas seguintes, dado não ser possível ir de Santarém a Conímbriga percorrendo apenas as 66 milhas indicadas (32 + 34) quando a distância real entre estes pontos ronda as 76 milhas, sugerindo a existência de erros que suprimiram 10 milhas ao percurso. Consequentemente, a identificação de Seilium com Tomar não pode ser considerada fechada, apesar de esta proposta ser hoje praticamente unânime. De facto, admitindo que as 34 milhas indicadas a Conímbriga estariam correctas, então Seilium estaria oito milhas a norte de Tomar, o que posicionaria esta estação junto ao Castelo de Ceras, onde apareceu miliário.
Continuando o percurso, surgem novas dificuldades na determinação da localização de Talabriga. Esta estação tem sido associada ao cruzamento do Rio Vouga, atendendo à sequência de paragens, no entanto as 40 milhas indicadas a Coimbra (Aeminium) colocaria a estação a norte desse rio, dado que a distância entre o Mondego e o Vouga não ultrapassa as 34 milhas. Esta incongruência está na origem da grande discussão que se instalou em torno da localização desta estação ainda sem fim à vista, em particular porque as distâncias indicadas no Itinerário parecem invalidar a sua identificação com o povoado proto-histórico do Cabeço do Vouga como se tem pretendido.
Mais pacífica parece ser a identificação da estação seguinte, designada Langobriga, com o Castro de Fiães ou do Monte Redondo, em concordância com as 13 milhas indicadas a Cale, apesar deste assentamento estar relativamente afastado da via (cerca de duas milhas a nascente). Deste modo, o Itinerário não parece indicar propriamente as estações romanas ao longo do percurso, mas os povoados que eram cabeça dos territórios cruzados pela via.
Por último, para a etapa final entre Cale e Bracara são indicadas 35 milhas, valor que está de acordo com o percurso entre Porto e Braga pela rota da EN14, e que foi confirmado por diversos miliários (ver https://viasromanas.pt/blog/index.php/2020/06/05/via-bracara-cale/).
Depois desta visão geral sobre as principais questões ainda em aberto sobre o Itinerário XVI, vamos seguidamente analisar estes problemas em detalhe e propor possíveis soluções. Mas isso será o objecto dos próximos artigos deste blog. Mantenham-se atentos!
A recente proliferação dos chamados «Caminhos de Santiago», ainda que tenha os seus méritos, está a criar uma visão distorcida da viação antiga ao traçar percursos indiscriminados um pouco por todo o país sem bases históricas seguras. Seria necessário ter algum cuidado na elaboração destes percursos de modo a reflectir a verdadeira realidade da viação antiga, em vez de “forçar” um percurso que vai atalhando por aqui e acolá, vagamente em direcção a Santiago, e que na maioria da vezes nada têm de antigo.
Claro que se pode partir de qualquer ponto geográfico e seguir para Santiago, mas isso não significa que o caminho fosse utilizado para esse fim. O caminho utilizado pelos peregrinos seria seguramente pelas velhas vias herdadas do período romano (mas na realidade com origens bem mais antigas…), sendo que para além de umas pequenas variantes introduzidas ao longo dos tempos, estas rotas mantiveram-se praticamente inalterados até ao século XIX, momento a partir do qual foi necessária construir uma nova rede de estradas mais adaptada ao trânsito motorizado.
Ora, para quem partia do actual território português, as duas principais portas de acesso a Santiago seriam Tui e Chaves. A primeira corresponde à grande rota S-N oriunda de Lisboa que tal como hoje seguia paralela à costa passando por Santarém, Tomar, Coimbra e Porto, continuando depois pelo chamado «Caminho Central» por Barcelos até Valença. Naturalmente que para vinha das Beiras o caminho mais directo seria via Braga, continuando pela via Bracara-Tudae até Valença. Este eixo viário, agregava várias rotas que cruzavam o Rio Douro respectivamente em Porto Antigo, Caldas de Aregos e Régua. Deste último local partia uma via rumo a Chaves passando junto do Santuário de Panóias e cruzando depois por alturas da Serra da Padrela, onde recebia uma uma outra via também proveniente de outro importante cruzamento do Rio Douro em Numão (Vesúvio/Ns. da Ribeira) que vinha por Carlão e Alto do Pópulo até reunir com o eixo Régua-Chaves junto da importante exploração mineira romana de Trêsminas. A partir de Chaves, os peregrinos entravam na Galiza, seguindo na direcção de Torre de Sandiás (Ourense), a estação de Geminas referida no Itinerário XVIII de Bracara a Asturica, eixo que cruzava neste ponto, continuando daqui para Santiago.
A prevalência destes trajectos antigos por toda a Idade Média e mesmo em períodos bem posteriores, inviabiliza a hipótese de o caminho seguir uma “via medieval” para Santiago diferente da utilizada no período romano, apesar de aqui ou ali terem sido introduzidas algumas variantes ao longo dos séculos. Deste modo, o mapa que apresentamos acaba por ser panorama das rotas disponíveis para quem se dirigia para Santiago, que partindo de qualquer ponto rapidamente entrava na rede geral antiga pois esta cobria praticamente a totalidade do actual território português.
Daqui resulta que apesar de estarmos a falar de diferentes momentos temporais, o caminho romano e medieval é no essencial a mesma realidade física. Isso mesmo se verifica ao percorrer estes eixos viários pois a grande maioria das alminhas, ermidas, cruzeiros e marcos divisórios do período medieval assinalando a passagem da via estão posicionados em concordância com a marcação miliária de 1500 m, ou seja com a chamada “milha romana”. Ou seja, mesmo nos troços onde não há miliários, é possível seguir a marcação de mil em mil passos através desses marcadores da estrada que acompanham o peregrino ao longo do trajecto.
A densidade histórica e tipologia destes percursos nada tem a ver com esta multiplicidade de percursos que têm sido criados rumo a Santiago, distorcendo a realidade histórica, tirando o peregrino da verdadeira experiência imersiva que estes caminhos históricos proporcionam.
Quando iniciamos este projecto, a ideia era compilar o conhecimento disponível sobre viação romana e torná-lo acessível a todos. Ora, a melhor maneira de o fazer seria publicar online roteiros de viagem percorrendo estas vias, seguindo o espírito inicial do chamado “Itinerário de Antonino”, um documento essencial para a identificação dos trajectos romanos, até porque à época não existia praticamente nada online sobre o tema.
Rapidamente se tornou claro que o estudo da viação romana permanecia enterrado num lamaçal de conjecturas e de grandes dúvidas não só sobre o traçado da via como sobre as localização das estações mencionadas no Itinerário que na verdade. nos remetem para uma realidade pré-romana, facto evidenciado pelo grande número de topónimos indígenas listados no documento como estações viárias (a larga maioria), sendo em todos os casos podemos associa-las a povoados da Idade do Ferro, vulgarmente chamados de “castros”.
É provável que o documento tenha origens na conquista militar e subsequentes guerras civis, acabando por fixar as principais rotas que interligavam os centros estratégicos do domínio romano utilizando as mesmas rotas da Idade do Ferro. O objectivo era naturalmente exercer esse domínio controlando o trânsito que circulava nesses eixos, mas acima de tudo, uma forma de controlar o acesso à enorme riqueza metalífera que caracteriza a Península Ibérica, cujo valor económico estará na origem da conquista romana.
O desenvolvimento que se seguiu é assim em parte a continuidade dessa realidade pré-romana, reflectindo o modelo de povoamento adoptado durante a Idade do Ferro, caracterizado pela instalação de povoados nas proximidade dos eixos viários, obrigando à sua fortificação com grossas muralhas, ao contrário do período anterior, a Idade do Bronze, onde se dá preferência por assentamento nos picos dos montes, longe da estrada e protegidos de potenciais inimigos, dispensando por isso a construção de um recinto amuralhado. Trata-se obviamente um quadro geral onde cabem várias excepções.
Consequentemente , a chamada “via romana” assenta invariavelmente sobre antigos percursos da Idade do Ferro, sofrendo posteriormente diversos benefícios que viriam acrescentar uma transitabilidade que não possuía antes. Assim, seria mais correcto falar em “vias antigas” ou “milenares” do que “vias romanas” dado que não foram propriamente os romanos que traçaram e construíram a estrada . Por outro lado a visão geo-estratégica romana era de máxima exploração económica e o que interessava era assegurar o controlo por parte do poder Imperial das principais explorações mineiras.
Esta constatação está reflectida também na epigrafia relacionada com as importantes explorações de Las Medulas (Ponferrada, León) e Trêsminas (Vila Pouca de Aguiar), evidenciando em ambos os casos um controlo directo destas explorações por parte do poder Imperial. Aliás, o forte investimento levado a cabo nas vias que partiam de Braga ao longo de todo o período Imperial é bem o reflexo dessa necessidade de exercer controlar esta vasta região mineira que se estende até Asturica, facto reflectido no grande número de miliários de diferentes imperadores registados nestas vias que interligavam as sedes dos conventos Lucencis, Bracarensis e Asturicensis.
Fora estas vias, em tudo excepcionais, mesmo no contexto romano, todas as outras não contam mais do que uns quantos miliários, bastante mais espaçados, assinalando pontos importantes do percurso, nomeadamente estações viárias. A existência de restos de estruturas atribuíveis ao período romano nestes locais indiciam a presença de um estabelecimento viário para apoio aos viandantes. Esta marcação mais espaçada face às vias do noroeste peninsular é reflectida no menor número de miliários conhecidos a sul do Douro. Por exemplo em todo o Algarve, uma das regiões mais “romanizadas” do país, apenas se conhece um miliário, e mesmo este tem características singulares que o destacam dos demais encontrados em território nacional.
O outro aspecto relevante na interpretação dos itinerários é que não se trata de uma compilação de vias como se tem afirmado (na verdade, a designação de “Vias” foi aposta numa das cópias medievais, assim como a numeração), mas sim de grandes rotas, interligando o máximo número de pontos relevantes, fornecendo aos viandantes uma súmula dos principais trajectos e das respectivas distâncias intermédias. Assim quando se diz que havia três vias para Mérida, uma por Évora, outra por Alter do Chão e outra mais junto ao Tejo (as chamadas Via XII, XIV e XV, respectivamente), não temos propriamente três vias rumo Mérida, mas três itinerários diferentes, que vão utilizando troços de vias independentes, formando uma grande rota.
Aliás, tudo indica que o trajecto principal seria a variante por Alter do Chão quer por ser o traçado mais curto quer pelo facto de esta ter recebido diversos melhoramentos, nomeadamente com a construção de grandes obras de engenharia como a Ponte Romana de Vila Formosa. Assim, tudo indica que esta seria a grande via que ligava Mérida ao Rio Tejo, formando uma via com caput viae em Santarém e Mérida. Notar também que a escolha de Mérida para capital da Lusitânia está seguramente relacionada com o facto de aqui fazer-se o cruzamento do Guadiana, sendo portanto esta via que permitia a ligação mais curta de Mérida ao mar, ou sejam entre esta travessia do Guadiana e o Tejo, com os seus portos fluviais dispostos ao longo das suas margens e aproveitando o vasto estuário da boca do rio, aceder à rota marítima para o Mediterrâneo.
A formação de Portugal e as consequentes disputas fronteiriças com o Reino de Espanha acabaram por ditar o abrandamento de algumas das grandes rotas comerciais da antiguidade, mas para além destas alterações forçadas, a rede viária romana permanece em utilização pelos séculos vindouros e ao contrário do que se tem dito não desapareceu completamente da paisagem (seguindo o velho mito de que todo trajecto romano era lajeado), mas permanece em utilização agora como estradas municipais ou caminhos agrários, apesar dos atentados que tem sofrido durante a última centúria.
Pelo contrário, o que se verifica no terreno é uma grande resiliência destes trajectos milenares seja transformados em estradas modernas seja como caminhos já quase imperceptíveis nos altos das serras, e o seu valor natural, patrimonial e histórico acabará por vir à superfície o que irá induzir uma reabilitação destes trajectos, criando para estes caminhos um futuro alternativo que os possa retirar do actual oblivium.
This itinerary from Braga to Astorga (Via XVIII of the Itinerary of Antonino) integrates one of the best preserved stretches of the route in Portugal, crossing the Serra do Gerês (where it is called “Geira”), heading towards Galicia through Portela do Homem. The Portuguese part is relatively well studied, with a consolidated route based on the great number of existing milestones, but in the Spanish part there are still great uncertainties, both in the actual route chosen and the location of the intermediate stations. In the attempt to clarify the route to Astorga, and applying the methods developed for the survey of the Portuguese part, we propose the following solution.
The problem is centred in the distances between stages that do not match the distance measured on the ground. Summing all the stages we get 218 miles, however the total distance indicated in the itinerary is 215 miles, a divergence never fully explained and which opens the possibility of errors in the miles indicated in one or more stages. If for Aquis Originis and Aquis Querquennis there seems to be no doubt in their location respectively at Banhos do Rio Caldo and Baños de Bande, from there on the doubts grow. According to the Itinerary, the next station, Geminas, is located 16 miles from Aquis Querquennis but following the route (confirmed by milestones), this value is insufficient to cover the distance between Baños de Bande and Castrum of Torre de Sandiás, the most likely location of this station. This difference is also confirmed by the milestones found nearby since the milestone of Casasoá indicates 73 miles to Braga, a value in accordance with the milestone count. Thus, we would have to correct the 16 miles indicated for this stage for the 17 measures, making a total of 70 miles to Braga.
The location of the following stations is still under great discussion and no consensual solution is in sight. The proposals of Rodriguez Colmenero (et al. 2004) continue to be the basis of what is written on the subject, maintaining the great confusion installed by launching the theory of different values of mileage that supposedly would be used in different stretches of track, depending on the characteristics of the terrain. This was an attempt to justify the various inconsistencies in the proposals presented, creating a deadlock that remains to this day. Later studies came to dismantle this thesis because the only measure verified on the ground corresponds to the so-called “classic” mile, which is around 1500m.
The clear excess of miles in this itinerary, making it necessary to place two stations very close to each other seemed to make the hypothesis of an error in the miliary counting much more likely.
Continuing the route, Salientibus could be in Vigueira de Abaixo (milestones), 18 miles from Geminas (Torre de Sandiás). Consequently, the next station, Praesidio, would be 18 miles ahead, distance which puts this station in Pobra de Tivres, in a strategic place since it was located between the two main Roman bridges, Ponte Navea and Ponte de Bibei (this one still standing!). After crossing the Bibei river, the route ascended to Larouco and from here, headed to Ponte da Cigarossa (also presenting Roman foundations) where Nemetobriga should be located. The recent discovery in 2022 of a milestone of Nero during works near the bridge, reconfirms the passage of the XVIII Itinerary in this place, which is exactly 120 miles away from Braga (meanwhile the milestone was placed in its probable original location at the bridge entrance).
The main problem lies in the next stage, between Nemetobriga and Foro, for which the Itinerary indicates the distance of 19 miles. However, this value seems too high since adding up all the stages until Bergido (undoubtedly located in Castro Ventosa, west of Cacabelos), we get a total of 50 miles (19+18+13), a value that greatly exceeds the distance between Cigarrosa Bridge and Castro Ventosa which is no more than 39 miles.
This difference of 11 miles must be justified by an error in the Itinerary. Now, analyzing the intermediate distances, everything indicates that this error can only be in the Nemetobriga to Foro leg that should be corrected to 8 miles (possible confusion between the numerals XVIIII and VIII). In this way, we reach the Foro station near the so-called villa of San Salvador in the place of Proba in Barco de Valdeorras. The site was excavated and then reburied, but it was found to be a vicus viarum, located next to the via, where a milestone also appeared. A votive inscription placed by a member of the VII Gemini Legion reinforces the passage of the Roman road here.
The distances to the following stations seem to be correct, with Gemestario located 18 miles from Foro and 13 miles from Bergido, a position which corresponds to the Alto da Portela de Aguiar in a mountain range called Sierra de Encina da Lastra, which defines de geographical border between the provinces of Galicia and Asturias. From here, the route descends to the valley of the river Sil and continues straight up to the Ventosa castrum, where it joins the Lugo-Astorga road. Here it curves eastwards for another twenty miles to Interamnio Fluvio or Intereraconio Flavio (different spellings of the same station), most probably located close to Bembibre, next to the junction of the rivers Noceda and Boeza, a position that fits a name as “Interamnio Fluvio“.
From Bembibre the route follows more 30 miles up to Astorga, passing Ribeira de Folgoso, Torre del Bierzo, San Juan de Montealegre, Manzanal del Puerto and Brimeda, a route marked by several milestones.
Thus, the survey of the route and the milestone sequence points to the following proposal for the location of the stations: Salientibus (Vigueira de Abaixo, XVIII), Praesido (Pobra de Trives, XVIII), Nemetobriga (Ponte da Cigarrosa, XIII, 120 miles to Braga), Foro (VIII, Pobra de Barco), Gemestario (Alto da Portela de Aguiar, XVIII) and Bergido (Castro Ventosa, Cacabelos, XIII), See route description here.
A propósito da escavação em curso no acampamento militar romano da Lomba do Mouro (Castro Laboreiro), cujos resultados preliminares apontam para o período inicial da conquista do noroeste peninsular (video), tentei identificar o possível traçado da via que cruzava o acampamento romano, situado nas alturas da Serra de Laboreiro, actual fronteira Galiza/Portugal (aparentemente ausente da literatura científica). De facto, se perlongarmos a via para sul percorrendo a linha de festo da serra vamos de encontro à via nova, cruzando o rio Lima próximo da povoação de Torno (Lóbios). Este trajecto seria assim uma derivação para norte da via nova entre Bracara e Asturica, cruzando o Lima num meandro do rio designado por Retorta que dista cerca de 45 milhas de Braga. Ascendia depois a encosta até à Ermida de San Benito (talvez por Lama e Ferreiros), continuando depois por alturas da Serra de Laboreiro até ao acampamento romano, perfazendo 13 milhas desde o Lima, distância habitual entre estações viárias.
O campo ostenta ainda os vestígios da sua muralha com 2,2 m de espessura, cercando uma área com mais de 20 hectares (Costa-García, Fonte e Gago, 2019: 33). A existência deste acampamento implica que a via teria continuação para a Galiza, mas o seu percurso para norte a partir do acampamento não parece ser viável, apresentando um terreno muito acidentado, onde a passagem se apresenta muito dificultada. Deste modo, é mais provável que a via fizesse uma inflexão rumo a Castro Laboreiro (por Alto da Picota, Queimadelo, Falagueiras, Coriscadas e Porto de Carros), para daqui retomar a direcção norte que trazia do rio Lima, seguindo por Porteiro (antigo «Porto de Asnos») e pelo vale do rio Trancoso até São Gregório, onde entrava na Galiza. O seu traçado deverá corresponder ao caminho que passa nos topónimos viários Vido, Portelinha e Porteiro ou Porto de Cavaleiros (antigo «Porto de Asnos»), continuando por Alcobaça, A-da-Velha, Campo do Souto, Sobreira e Cristoval até São Gregório, descendo daqui para cruzar o rio Trancoso na chamada Ponte Velha ou Ponte Barxas, antiga porta de entrada no território Galego. Na continuação, a via poderia seguir junto do topónimo Vendas em direcção à Ermida de San Xusto (Trado), local a cerca de 18 milhas da Lomba do Mouro, possivelmente rumo a Ourense, mas o seu destino final é ainda incerto.
A importância estratégica desta via de penetração dos exércitos romanos da fase inicial da conquista parece atestada pela grande dimensão do recinto militar, cercado quase na totalidade por uma sólida muralha que só teria justificação para uma via da maior importância militar. A sua localização, a meio caminho entre os rios Lima e Minho (cerca de 13 milhas ao Lima e cerca de 14 a São Gregório), permitia-lhe exercer total controlo desta passagem.
Embora fosse pressentido por alguns autores que deveria existir uma derivação da via nova para norte, o seu traçado continuava a levantar muitas dúvidas. A identificação e caracterização deste importante assentamento militar vem assim trazer um forte argumento para a identificação deste eixo viário e a sua articulação com os grandes itinerários da região.
Não parece haver qualquer dúvida sobre a antiguidade deste caminho, dado que o acampamento romano assenta sobre um vasto campo coberto de monumentos funerários megalíticos que testemunham a sua utilização desde tempos bem recuados. Apesar do abandono do recinto após a conquista deste território, a via terá permanecido em utilização até ao período alto-medieval, durante no qual se foi formando a linha divisória entre Portugal e o actual território Galego. O facto de a via percorrer ambos os lados desta divisória poderá ter contribuído para o seu declínio dado que estava agora cortada pela linha fronteiriça.
A parte “portuguesa”, ligando Castro Laboreiro a São Gregório, pelo referido «Porto de Asnos» continua em utilização como principal porta de entrada na Galiza, tal como é referido em vários documentos medievais, sendo considerada uma passagem estratégica para a defesa do território de Entre Lima e Minho. Na sequência de uma disputa tributária com o vizinho Castelo de Melgaço, este troço da via acaba sendo vedado ao trânsito em 1361, obrigando que todos os viandantes de e para a Galiza seguissem por Melgaço, o que também terá contribuído para o seu esquecimento:
“Para evitar o pagamento dessa portagem, os mercadores que acarretavam os seus bens de Galiza, e vice-versa, optavam pela passagem do Porto dos Asnos, lugar meeiro das freguesias de Lamas de Mouro e Castro Laboreiro. Para evitar essa evasão fiscal, por carta passada em Elvas, aos 28 de Maio de 1361, D. Pedro I interdita esse caminho, obrigando os mercadores a passar por Melgaço.” (Domingues, 2003: 11)
A crescente inutilização deste eixo viário poderá ter contribuído assim para o seu relativo esquecimento no contexto da viação romana, mas identificação do que parece ser “o maior e mais antigo” acampamento militar romano entre os séculos II e I a.C. (Costa-García, Fonte e Gago, 2019: 33), localizado precisamente a meio caminho entre os rios Lima e Minho, constitui um argumento de peso para validar a existência desta via que terá sido como tudo indica uma das principais linhas de penetração das hostes romanas durante o período da conquista do noroeste peninsular.
Bibliografia:
COSTA-GARCÍA, J.M.; FONTE, J.; GAGO, M.; (2019) – “The reassessment of the Roman military presence in Galicia and Northern Portugal through digital tools: archaeological diversity and historical problems”, Mediterranean Archaeology and Archaeometry 19, 3, (2019), p. 17-49 (https://zenodo.org/record/3457524)
COSTA-GARCÍA, J.M.; FONTE, J.; GAGO, M.; (2019) – “A reavaliação da presença militar romana na Galiza e no Norte de Portugal através de ferramentas digitais: diversidade arqueológica e problemas históricos”. Mediterranean Archaeology and Archaeometry 20 (2019) (https://minerva.usc.es/xmlui/bitstream/handle/10347/19902/maa_resumo_pt.pdf)
DOMINGUES, José (2003) – “O Foral de D. Afonso Henriques a Castro Laboreiro. «Ádito» para o debate”. Porto, 2003, [colocado em linha a 6 de Maio de 2013] http://www.academia.edu/3470740