Este itinerário de Braga a Astorga (Via XVIII do Itinerário de Antonino) integra um dos troços melhor preservados da via em Portugal, cruzando a Serra do Gerês (onde é designada por “Geira”), rumo à Galiza pela Portela do Homem. A parte portuguesa está relativamente bem estudada, com percurso consolidado baseado no grande número de miliários existentes, mas na parte espanhola subsistem ainda grandes incertezas, quer no seu traçado quer na localização das estações intermédias. Na tentativa de aclarar o percurso até Astorga, e aplicando os métodos desenvolvidos para o levantamento da rede na parte portuguesa, propõe-se a seguinte solução.
O problema centra-se nas distâncias entre etapas que não casam com a distância medida no terreno. Somando todas as etapas obtemos 218 milhas, no entanto a distância total indicada no itinerário é de 215 milhas, divergência nunca cabalmente explicada e que abre a possibilidade de existirem erros nas milhas indicadas em uma ou mais etapas.
Se para Aquis Originis e Aquis Querquennis não parece haver dúvida na sua localização respectivamente a Baños do Rio Caldo e Baños de Bande, a partir daí as dúvidas crescem. Desde logo, a estação seguinte, Geminas, estaria segundo o Itinerário a 16 milhas, mas fazendo o percurso (confirmado por miliários) verifica-se que esse valor é insuficiente para atingir o Castro de Torre de Sandiás, a sua mais que provável localização. Essa diferença é aliás confirmada pelos miliários encontrados nas proximidades dado que o miliário de Casasoá indica 73 milhas a Braga, valor em conformidade com a contagem miliária. Deste modo, haveria que corrigir as 16 milhas indicadas para esta etapa para as 17 medidas, perfazendo um total de 70 milhas a Braga.
A localização das estações seguintes continua em grande discussão sem vislumbre de consenso. As propostas de Rodriguez Colmenero (et al. 2004) continuam a ser a base do que se escreve sobre o tema, mantendo a grande confusão instalada ao lançar a teoria dos diferentes valores de milha que supostamente seriam utilizadas em diferentes troços da via, em função das características do terreno. Tentava-se assim justificar as várias incoerências nas propostas apresentadas, criando um impasse que permanece até hoje. Estudos posteriores vieram desmontar esta tese porque a única medida verificada no terreno corresponde à milha dita “clássica” que ronda os 1500 m. O claro excesso de milhas neste itinerário (obrigando a colocar duas estações muito próximas um da outra) parecia tornar a hipótese de haver erro na contagem miliária muito mais verosímil.
Continuando a contagem, Salientibus poderia estar em Vigueira de Abaixo onde há miliários e era vencida a milha 18 a Geminas em Torre de Sandiás. Consequentemente, a estação seguinte, Praesidio, estaria 18 milhas adiante, distância que coloca esta estação próximo de Pobra de Tivres, um local estratégico dado que se encontra entre as grandes pontes de construção romana designadas por Ponte Navea e Ponte de Bibei (esta ainda pé!), a cerca de 3 milhas desta última.
Depois de cruzar o Rio Bibei ascendia a Larouco e daqui seguia em direcção à Ponte da Cigarossa (também com alicerces romanos) onde se deveria localizar Nemetobriga. A recente descoberta em 2022 de um miliário de Nero (?) durante umas obras junto à ponte, vem reconfirmar a passagem do Itinerário XVIII neste local que se encontra a exactamente 120 milhas de Braga (entretanto o marco foi colocado no seu provável local original à entrada da ponte).
O principal problema encontra-se na etapa seguinte, entre Nemetobriga a Foro, para a qual o Itinerário indica a distância de 19 milhas. Ora, este valor parece demasiado elevado dado que somando todas as etapas até Bergido (sem dúvida localizado no Castro Ventosa, a oeste de Cacabelos), obtemos um total de 50 milhas (19+18+13), valor que excede largemente a distância entre a a Ponte da Cigarrosa e o Castro Ventosa que não se contam mais que 39 milhas.
Esta diferença de 11 milhas tem de ser justificada por um erro no Itinerário. Ora, analisando as distâncias intermédias, tudo indica que esse erro só pode estar na etapa de Nemetobriga a Foro que deverá ser corrigida para 8 milhas (ainda que seja difícil explicar a troca do numeral VIII por XVIIII). Deste modo, atingimos a estação de Foro junto da chamada villa de San Salvador, no lugar da Proba em Barco de Valdeorras. O sítio foi escavado e logo enterrado novamente, mas apurou-se que se trata de um vicus localizado junto da via, onde aliás apareceu um miliário. Uma inscrição votiva colocada por um membro da VII Legião Gémina reforça o carácter viário do local.
As distâncias das estações seguintes parecem estar correctas, com a Gemestario localizada a 18 milhas de Foro e a 13 milhas de Bergido, posição que corresponde ao Alto da Portela de Aguiar, na Serra da Encina da Lastra, que serve de divisão geográfica entre as províncias da Galiza e Astúrias. Daqui desce ao vale do rio Sil seguindo reto até ao Castro Ventosa, onde entronca na via Lugo-Astorga. Aqui inflectia para leste, seguindo por mais vinte milhas até Interamnio Fluvio ou Intereraconio Flavio (diferentes grafias da mesma estação), muito provavelmente localizada em Bembibre, junto da confluência dos rios Noceda e Boeza, posição mais adequada ao topónimo Interamnio Fluvio (‘entre os dois rios’).
De Bembibre seguia por mais 30 milhas até Astorga, passando em Ribeira de Folgoso, Torre del Bierzo, São João de Montealegre, Manzanal del Puerto e Brimeda, trajecto que é assinalado por diversos miliários. Deste modo, o levantamento do percurso e da sequência miliária aponta para a seguinte proposta de localização das estações:
Salaniana (Travasso) m.p. XXI
Aquis Originis (Baños do Rio Caldo) m.p. XVIII
Aquis Querquennis (Baños de Bande) m.p. XIIII
Geminis (Torre de Sandiás) m.p. XVII (70 milhas a Braga)
Salientibus (Vigueira de Abaixo) m.p. XVIII
Praesidium (Pobra de Trives) m.p. XVIII
Nemetobriga (Ponte da Cigarrosa) m.p. XIII (120 milhas a Braga)
Foro (Pobra de Barco) m.p. VIII
Gemestario (Alto da Portela de Aguiar) m.p. XVIII
Bergido (Cacabelos) m.p. XIII (50 milhas a Astorga)
Interamnio Fluvio (Bembibre) m.p. XX
Asturica (Astorga) m.p. XXX
(versão corrigida do itinerário XVIII)
Ver do percurso aqui: #via_nova
Bibliografia
GÓMEZ NÚÑEZ, S. (1931). “Las vías romanas entre Asturica y Bergido Flavio y la situación probable de la ciudad de Interamnium”. Biblioteca de la Real Sociedad Geógrafica, LXXI
RODRÍGUEZ COLMENERO, A. et al. (2004). Miliarios e outras inscricións viarias romanas no noroeste hispánico. Lugo: Consello da Cultura Galega.