Em 1179, o primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques estipulou a entrega de “300 modios morabitinos para a ponti Dorii”, lançando o projecto de construção de uma ponte sobre o rio Douro. Os restos dessa ponte eram ainda visíveis no século XVI quando Rui Fernandes elabora o seu manuscrito intitulado “Descrição do terreno ao redor de Lamego duas léguas [ 1531-1532 ]“, actualmente na Biblioteca Municipal do Porto, onde se lê:
“Item entre esta barca do Bernaldo, e a de Porto de Rey estão huns fermozos peares de hua ponte que a Rainha Donna Mafalda dizem que mandava fazer os quais sam dois no meyo do Douro de muito grande altura, e mui largo fundamento, que os dous que estão no rio, neste mes de Mayo hirão bem dez palmos descobertos, e no Verão hirão bem vinte palmos e mais, e estão outros dous de fora hum da parte daquem, e outro da parte dalem. Estes poyares foram já de dobrada altura, e os derribarão, e fizerão delles pesqueiras” (ms. 547, fl. 9).
Estes “peares”, ou seja os pilares da antiga ponte estavam portanto ainda bem visíveis no seu tempo, embora já muito derrubados: “O arco da parte daquem volvia já. Esta hi muita pedra quebrada polo monte, que ficou quebrada, e acharão ainda polos montes muitas marras, e cunhas, e lavancas, que por hi ficarão” (fl. 9).
Apela também para que se lance impostos sobre as povoações vizinhas de modo a concluir a obra, “porque a mor parte hé feito” e porque ainda existia ali muita “pedra quebrada” pronta a usar na finalização da obra:
“El Rey nosso senhor podia mui bem mandar fazer esta meya ponte que esta por fazer com deitar des reis a cada morador vinte legoas arredor, e em seis, ou sete annos, ou em menos se podia fazer sem opressão, e seria hua couza mui nobre” (fl. 9).
No entanto, a obra jamais sería concluída e o que resta desses pilares ficou submerso após a construção da barragem do Carrapatelo em 1972, mas há relatos dessa época onde se referem os restos de um dos pilares no leito do rio (Resende. 2014: 423).
Apesar disso, temos informações precisas do autor quinhentista sobre a sua localização ao escrever que “esta obra esta abaixo de hum lugar, que chamão Barqueiros aliás que chamão Barrô” (fl. 9v), a cerca de 18 km de Porto Manso (“des os Peares ate Porto Manço que são tres legoas“, fl. 10), o que permite estimar a sua localização aproximada no meandro do rio entre Barqueiros e Barrô, onde a proximidade entre margens é menor (ver imagem).
Apesar de Rui Fernandes aludir à lenda da morte do filho da rainha neste mesmo local para justificar o abandono da sua construção, não podemos excluir a hipótese de a mesma ter sido finalizada e que a sua destruição seja posterior, eventualmente devido a uma cheia do rio, até por que o local escolhido não parece ser o mais indicado para a construção de uma ponte, sendo o Douro um rio tão tumultuoso, e menos ainda os acessos à ponte que teriam de vencer as íngremes arribas desde local.
No seu “Elucidário…”, o frei Rosa Viterbo parece seguir esta linha ao referir documentos do Mosteiro de Salzedas do 1205 contendo o testamento de Dona Sancha Bermudes onde diz que esta tinha uma herdade “à Ponte do Douro”, assim como em outro documento de 1216, onde faz a doação ao Mosteiro de Paço de Sousa do tudo o que detinha em Barrô e “junto da Ponte do Douro” (Viterbo, 1799: 227). Deste modo, é possível que a ponte estivesse operacional nesse período, como sugere Viterbo, servindo como alternativa à travessia do Douro em Porto de Rei da estrada que ligava Marco de Canaveses a Lamego (ver https://viasromanas.pt/index.html#porto_de_rei_lamego).
Certo é que o sonho de construir uma ponte sobre o rio Douro acabou em ruína e até ao século XIX todas as travessias do rio foram asseguradas por barcas de passagem. A ponte medieval do Douro foi um projecto falhado cujas implicações fizeram-se sentir por muitos e longos anos, e ainda hoje não existe qualquer ponte a ligar as duas margens no trecho entre a Régua e Resende, e mesmo a Ponte da Ermida, junto a esta última povoação, apenas foi inaugurada quando decorria já o ano de 1998!
______________________
Bibliografia
FERNANDES, Rui (1531-1532) – “Descrição do terreno ao redor de Lamego duas léguas [ 1531-1532 ]“. Caleidoscopio, Ed. Amândio Barros (2012).
RESENDE, Nuno (2008) – “Ponte da Veiga: Lousada“. In ROSAS, Lúcia, coord. cient. – Rota do Românico, 2014. Vol. 2, 419-431.
VITERBO, Frei Joaquim de Santa Rosa de (1799) – “Elucidário das Palavras Termos e Frases”(…). Lisboa: Typographia Regia Silviana (1º Edição), vol. 2.