O percurso da via romana que ligava Braga ao Porto está relativamente bem definido quer pelos muitos miliários que foram descobertos ao longo do seu trajecto como pela concordância geral com as 35 milhas indicadas no chamado “Itinerário de Antonino” e confirmadas pelo miliário encontrado em Braga indicando precisamente essa distância a Cale. No entanto, há vários troços que continuam duvidosos o que afecta o apuramento da marcação miliária e consequentemente também da distância total percorrida; a recente descoberta de um miliário no lugar da Barca (Maia) indicando 27 milhas a Braga veio (re)confirmar o percurso pela rota da actual EN14 (Ribeiro, 2016). Por outro lado, o lugar da Barca está a cerca de 8 milhas do Porto, perfazendo as 35 milhas necessárias para atingir Cale; mais difícil é explicar a distância a Braga pois os percursos actualmente propostos excedem esse valor, sugerindo que o trajecto seria mais curto em alguns troços. A análise da marcação miliária permitiu identificar dois tramos onde essa diferença é mais notória: a parte inicial à saída de Braga e o segmento que atravessa o Rio Ave para a Trofa.
No primeiro caso, a generalidade dos autores faz passar a via junto da “Igreja de Lomar” baseando-se numa notícia de Contador de Argote sobre um miliário a Crispo que ali existia (“Memórias…”, I, 236). Ora esta “Igreja de Lomar” seria a Igreja Paroquial de São Pedro (associada ao antigo mosteiro beneditino). Deste forma o percurso que tem sido proposto segue pela Ponte da Pedrinha, Mouta, Igreja de Lomar, Esporões, Trandeiras e Santo Estevão do Penso, cruzando depois a Portela do Castro do Monte Redondo rumo a Famalicão; no entanto, existe um percurso mais curto que partindo do Largo de Maximinos em Braga, seguia pela rua do Cruzeiro rumo a Figueiredo e a São Vicente do Peso, evitando assim o cruzamento do Rio da Veiga. Neste trajecto há uma coincidência da marcação miliária com alguns vestígios relevantes; de facto a primeira milha era vencida no lugar da Gandra na rua do Cruzeiro, junto a um possível marco romano; trata-se de bloco granítico bem talhado (eventual marco gromático) que terá “saído”, segundo vizinhos, das ruínas da casa anexa (ver no street view).
Pouco depois, a via cruza a linha férrea junto das «Alminhas da Estrada» e segue por Quintela onde subsiste um troço de via em razoável estado de conservação.
A segunda milha seria atingida junto da travessia do Rio Este no lugar da Ponte Nova. Neste local existe uma ponte antiga (talvez medieval) e defronte temos a Capela de Lomar, conferindo-lhe uma função eminentemente viária. Tremenda coincidência que leva a pensar se o miliário de Crispo referido por Argote não estaria antes neste local; realmente é possível que o miliário tenha sido deslocado para a Igreja em data posterior ou poderá ter havido uma imprecisão no relato de Argote, visto que ele próprio reproduz uma notícia que lhe chegou por terceiros. Nas «Memórias Paroquiais» do século XVIII escrevia-se sobre Lomar: “Tem huma ponte de cantaria muito antiga que se chama a Ponte Nova“, indiciando uma velha passagem do rio muito mais antiga do que o topónimo sugere, até porque este local delimitava na época a Paróquia de Lomar, confrontando com Ferreiros.
Da Ponte Nova a via continua por Costa e Bemposta, atingindo a terceira milha junto das alminhas de São Miguel, continuando depois por Figueiredo (onde se assinalam vestígios na «Casa da Vila» e um tesouro monetário em Pipe) até São Vicente do Peso; seguia depois talvez pelas Alminhas da Senhor do Padrão (outro sugestivo topónimo), seguindo por Hospital (albergaria medieval), rumo à Portela do Monte Redondo, de onde descia a Vila Nova de Famalicão com miliários em Carreiras e São Cosme do Vale.
O segundo desacerto está relacionado com a problemática questão do cruzamento do Rio Ave. A tradição historiográfica tem colocada esta travessia na Ponte Lagoncinha (construção medieval sem qualquer indício romano), solução que nunca foi convincente pois o alinhamento da ponte aponta na direcção de Santo Tirso e não da Trofa como seria expectável, obrigando a um percurso para a Trofa pela margem do rio, solução sempre evitada na viação antiga. Aliás, documentos medievais do Mosteiro de Santo Tirso referem a «Ponte Petrina» no rio Ave no limite norte do couto do mosteiro, sugerindo a ponte servia esta área e não a Trofa.
Deste modo, é mais provável que via continue por Montezelo para depois cruzar o rio Ave provavelmente na «Barca da Esprela», junto da foz do rio Pelhe (rio que vem a seguir deste a Portela do Monte Redondo), trajecto que é confirmado pelo miliário encontrado na Igreja Paroquial de Lousado em Montezelo (que estaria assim praticamente in situ), dado que este local se encontra a cerca de 2 milhas de Santa Catarina, onde apareceu outro miliário. Tudo leva a crer que este seria o verdadeiro traçado da via durante o período romano, encurtando o percurso algumas centenas de metros, o que permite acertar a marcação milária . ver itinerário aqui.