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O Itinerário XIX de Braga a Astorga

Em Março de 2024 foi publicada uma proposta de percurso detalhada desta rota que partia de Braga rumo a Lugo, passando em Ponte de Lima, Tui e Pontevedra, inflectindo depois para nascente rumo a Astorga. O seu trajecto continua a não ser consensual, mas esta proposta inédita tenta adequar as distâncias indicadas no itinerário aos valores obtidos no terreno. Assim, este post visa acima de tudo assinalar e justificar essas diferenças, que resultam da proposta de traçado agora apresentado, enquanto o o seu detalhe está descrito no site viasomanas.pt (ver #braga_tui ).

A necessidade destas correções radica no facto de a soma das distâncias intermédias não permitir chegar a Lugo. Em resultado dessa incongruência, vários investigadores, como por exemplo Rodriguez Colmenero, propõem um percurso mais directo a Lugo a partir de Iria Flaviae, tentando interligar alguns miliários dispersos por esta região mais interior (nomeadamente em Sales, Seteigrexas e Entrambasaguas). No entanto, não parece haver viabilidade neste traçado, para além da evidente continuidade do percurso para norte até Santiago de Compostela, o nó viário mais importante neste território.

A ser assim, a rota proposta segue até Santiago, e depois tomava a via Santiago-Lugo por Arzúa (actual ‘Caminho de Santiago’) , traçado habitualmente atribuído a outra rota também mencionada no Itinerário, a chamada Via XX per loca maritima, mas que será na verdade a rota seguida por este Itinerário.

As primeiras estações são relativamente consensuais entre os investigadores, mas a partir de Tui as divergências acentuam-se. O primeiro problema parece estar na distância indicada a Aquis Celenis que, apesar de consensualmente localizada em Caldas dos Reis, não acerta com a soma das distâncias intermédias (16 + 16 + 24 = 56) do trajecto até Tui que ronda as 50 milhas.

O mesmo acontece nas etapas seguintes pois, como referido atrás, há claramente um défice de milhas no trajecto de Aquis Celenis a Lucus Augusti, criando incertezas sobre a localização das estações intermédias, em particular Assegonia, para a qual ainda não se encontrou uma solução satisfatória. No entanto, com base em critérios geográficos, é possível que esta estivesse localizada um pouco a nordeste de Santiago de Composta, já na via para Lugo, sendo que a contagem miliária aponta para a sua localização junto da travessia do rio Sionlla em Lavacolla.

Item a BRACARA ASTURICAM
LIMIA m.p. XVIIII (Ponte de Lima)
TUDAE m.p. XXIIII (Tui)
BURBIDA
m.p. XVI (Santiaguinho de Antas)
TUROQUA
m.p. XVI (Pontevedra)
AQUIS CELENIS
m.p. XXIIII (Caldas dos Reis) -> XIIII
TRIA
m.p. XII (Iria Flaviae)
ASSEGONIA m.p. XIII (Lavacolla?) -> XVIII
BREVIS m.p. XXII (Boente)
MARCIE
m.p. XX (Vilamaior de Negral)
LUGO AUGUSTI
(Lugo) m.p. XIII
TIMALINO
m.p. XXII (Baralla)
PONTE NEVIAE
m.p. XII (Ponte de Navia)
UTTARIS m.p. XX (Ruitelán) -> XVIII
BERGIDO (Ventosa) m.p. XVI
INTERAMNIO FLUVIO (Bembibre) m.p. XX
ASTURICA (Astorga) m.p. XXX


A primeira correcção tem que ver com as 24 milhas indicadas entre Turoqua e Aquis Celenis, quando as suas presumíveis localizações (Pontevedra e Caldas dos Reis, respectivamente) estão separadas por apenas cerca de 14 milhas. Neste caso poderá ter havido troca entre os numerais «XXIIII» e «XIIII». A ser assim, a estação de Burbida estaria de facto a 16 milhas de Tui,
como indicado no Itinerário, o que coloca esta estação num local hoje designado por Santiaguiño de Antas, onde existia um miliário à margem da via.

O miliário de Santiaguiño das Antas (presumível localização de Burbida) ainda in situ junto à via.

Também a grafia da estação seguinte, TRIA, é duvidosa, devendo ser corrigida para IRIA, ou seja, a estação de Iria Flaviae, localizada a norte de Padrón. As 12 milhas indicadas a Aquis Celenis acertam com a distância daqui a Caldas dos Reis pelo que este valor deverá estar correcto.

A segunda correção proposta é na etapa entre Iria e Assegonia. Tudo indica que a via continua para norte rumo a Santiago de Compostela, importante nó viário onde haveria estação viária. A sua possível associação a Assegonia (também nas variantes Asseconia, Aseconia e Ascionia) é corroborada pela distância indicada no I.A. de 13 milhas, no entanto, os valores indicadas para a restantes etapas até Lugo (cerca de 68 milhas), Brevis e Marcie, são insuficientes para cumprir a distância que separa Compostela de Lugo (cerca de 73 milhas), restando portanto 5 milhas. Ora acrescentando este valor em falta à etapa de Iria Flaviae a Assegonia obtemos o valor de 18 milhas, colocando esta estação junto da travessia do rio Sionlla em Lavacolla. Ora, este local surge também na variante «Sioña», topónimo que permite estabelecer uma relação com o nome da estação romana, em particular na variante Ascionia.

Naturalmente que o erro poderá estar nas outras etapas, mas o registo arqueológico aponta para valores correctos no caso de Brevis e Marcie, com a primeira localizada em Boente (ara a Júpiter), entre Arzúa e Mélide, e segunda junto do cruzamento do rio Gamoira em Vilamaior de Negral, seguindo daqui até Lugo (trajecto que é assinalado por miliários em Retorta, Bacurín e Vilaestévez). A ser assim, a distância de Iria a Assegonia, deverá ser corrigida para 18 milhas. Neste caso poderá ter havido confusão entre os numerais «XIII» e «XVIII», novamente um erro bastante plausível.

Finalmente, a terceira correção proposta refere-se ao troço entre Lugo e Astorga, onde a única estação com localização segura é Bergido, identificada com o Castro Ventosa, em Cacabelos. Neste caso, a soma dos valores indicados no I.A. (70 milhas) é um valor excessivo face às cerca de 66 milhas medidas no terreno. As primeiras estações parecem correctas, com Timalino a 22 milhas de Lugo, colocando esta estação no local de cruzamento do rio Neira em Baralla (com miliários em Arxemil, Castrillón e Franqueán) e Ponte Neviae associada à travessia do rio Navia, em As Nogais.

O problema parece estar na distância de 20 milhas indicada na etapa Ponte NeviaeUttaris. Dado que a distância total medida no troço entre Ponte Neviae e Bergido é de 32 milhas, seria mais lógico que a estação estivesse a meio percurso, ou seja, a 16 milhas de ambas (aqui poderá ter havido novo erro de transcrição, trocando os numerais «XX» e «XVI»). A ser assim, as quatro milhas em excesso poderiam estar na etapa até Uttaris, que estaria, portanto, não a 20, mas a 16 milhas, o que coloca esta estação junto da Capela de Ruitelán, muito próximo de uma passagem incontornável desta rota para Lugo, a Portela de Valcarce.

A parte final do Itinerário a partir de Bergido é comum ao Itinerário XVIII (ou #via_nova), seguindo por Bembibre (Interamnio Fluvio) rumo a Astorga. Fica assim traçada a possível rota deste itinerário deste Braga até Astorga com acerto da contagem miliária do Itinerário. Esta grande rota utiliza várias vias independentes: inicialmente segue a via sul-norte que liga Braga a Santiago, depois inflectia para nascente tomando a via de Santiago a Lugo, e daqui seguia para Astorga pelo grande eixo viário proveniente do porto da Coruña. A cartografia destas rotas em território Galego passa a estar representada no «Mapa de Vias» a partir da versão 5.7. 


Bibliografia:
ABASCAL, J.M. (2020). Miliarios romanos de la provincia de Pontevedra (Hispania citerior). Anuario Brigantino, n. 43, 47-86
RODRÍGUEZ COLMENERO, A. et al. (2004). Miliarios e outras inscricións viarias romanas no noroeste hispánico. Lugo: Consello da Cultura Galega.
VILA GÓMEZ, J. (2005). Vías romanas de la actual provincia de Lugo. Tese Doutoral. Universidad de Santiago de Compostela.