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Rosa Araújo e as vias antigas do Alto Minho


José Rosa de Araújo foi um estudioso da viação antiga em particular na região do Alto Minho, tendo publicado diversos artigos sobre este tema e em 1962, um interessante livro intitulado “Caminhos Velhos e Pontes de Viana e Ponte de Lima”, onde refere algumas considerações que importa recuperar à luz do conhecimento actual.

Com efeito, o autor, também com formação em engenharia, já nessa época alertava para a total ausência de vestígios dessas supostas vias romanas que seriam construídas com uma forte estrutura e pavimentadas com grossas lajes, escrevendo: “Muito se tem já escrito sobre o assunto. O que podemos asseverar é que, nesta parte do Alto Minho (pelo menos) não se encontra hoje o mais leve vestígio dessa solidez, desse primor e construções de que nos falam os escritores do Lácio.” (Araújo, 1962:8). Deste modo o autor alertava para a discrepância entre a tradicional visão clássica atribuída à construção destas vias, e aquilo que é observado no terreno, incoerência essa que infelizmente ainda hoje vai assombrando a identificação destes caminhos milenares (Soutinho, 2021: 22-6).

O mesmo se passa com a classificação errónea de toda e qualquer ponte de feição antiga como “romana” quando na sua maioria tratam-se de facto de obras do período medieval, e muitos até de períodos posteriores. Foi Félix Alves Pereira quem primeiro publicou sobre esta questão num artigo de 1929, argumentando que “tinha eu por muito duvidoso e extraordinário que, em uma região caracterizadamente montanhosa, sulcada por numerosos cursos de água, todas as velhas pontes, sem relação alguma viária entre si e portanto sem pertencerem a um sistema definido de viação romana, proviessem simultâneamente da época lusitano-romana, dado o aspecto idêntico da sua arquitectura.” (Pereira, 1929; Araújo, 1962:11). Apesar destas alertas de tantos anos atrás, os efeitos nefastos continuam a fazer-se sentir, sobejando exemplos de pontes assinaladas de maneira ad-hoc como “romanas”, comprometendo a sua contextualização histórica.

Depois de descrever alguns dos vestígios da rede viária romana, o autor prossegue com a análise da rede viária do Alto Minho num capítulo intitulado “As Estradas em 1808”. Para isso baseia-se num documento viário associado às invasões Napoleónicas, uma carta militar , indicando as distâncias “de um a outro lugar” que foi gravada em Lisboa no ano de 1808, e que teria sido utilizada pelo exército francês durante as invasões (Araújo, 1962:23). Algumas das distâncias são assinaladas em horas (unidade que tem equivalência com milhas, sendo 10 milhas = 3 horas a pé). O autor publica o seguinte mapa com base neste documento:

Fig. 1 – Mapa de estradas entre Douro e Minho com base na carta de Romão Eloy em 1808 (Araújo, 1962: 24)

A análise das vias indicadas no mapa mostra claramente que a sua configuração reproduz em grande parte a rede viária antiga utilizada durante os períodos romano e medieval. Então como hoje, Braga é o grande nó viário da região do Minho, com ligações ao Porto (por Famalicão), Amarante (por Guimarães), Chaves (por Póvoa do Lanhoso), Monção (por Ponte da Barca) e Valença (por Ponte de Lima). Do mesmo modo o Porto articulava a travessia do rio Douro com as vias de ligação a Marco de Canaveses, Amarante, Braga e Viana, esta última cruzando o rio Cávado na Barca do Lago. Notar a ausência de ligação directa de Rates a Barcelos, sugerindo que este percurso não era um eixo principal (e o mesmo se verifica durante o período romano), apesar de hoje integrar a principal rota para Santiago, o chamado “Caminho Central”. Fora deste grupo estarão as vias representadas no mapa que seguem ao longo da margem de rios, como são o caso da estrada de Viana do Castelo a Ponte a Lima (por Lanheses), ou da estrada de Caminha a Valença pela margem esquerda do rio Minho, ambas possivelmente de construção medieval, dado que a rede viária antiga evita sempre este tipo de solução construtiva marginal aos grandes rios, sempre sujeitas a grande erosão e obrigando à travessia de todos os seus afluentes (Soutinho, 2021: 27).

Bem mais relevante para o estudo actual da viação antiga é a indicação no mapa de um ramal, aparentemente inédito, que deriva da via Braga-Monção junto da povoação de Choças (que corresponde à travessia do rio Vez), seguindo para nordeste por Portela de Alvito (Sistelo) até Valadares (Monção). O seu provável trajecto veio a revelar alguns dados que apontam para a sua integração na rede viária antiga. Com efeito, a cartografia da via mostrou que a Portela de Alvito (importante passagem entre as bacias do rio Vez e Minho ) está localizada a meio do percurso, distando precisamente 8 milhas tanto de Choças como de Valadares (mais propriamente, o povoado fortificado romanizado do Castro da Sra. da Graça). Outro indicador da sua antiguidade é o facto de a distância de Braga a Valadares perfazer um total de 50 milhas (34 a Choças, mais 16 a Valadares), valor redondo e típico em ligações de longa distância. Na sua continuação para norte a via seguia por Granja de Baixo, que corresponde à décima milha. Apesar de alguns obstáculos de monta ao longo deste traçado, tudo indica que de facto se trata de um caminho antigo, permitindo ligar Braga a um ponto intermédio do rio Minho entre Monção e Melgaço, onde aliás surgiram diversos achados romanos.

Ver percurso em viasromanas.pt/#chocas_valadares.

Fig. 2 – Provável trajecto da via Choças – Valadares, interligando os castros de Álvora, Sra. da Vista e Sra. da Graça.

ARAÚJO, José Rosa de (1962). Caminhos velhos e pontes de Viana e Ponte de Lima. Junta Distrital de Viana do Castelo.
PEREIRA, Félix Alves (1929). Pontes Medievais nos Arcos de Valdevez. Estudos do Alto Minho XXVIII, Portucale,1, 178-185.
SOUTINHO, Pedro (2021). A Serra do Marão na rede viária romana. “I Colóquio Viário do Marão – Povoamento e vias de comunicação ao longo da história”, Vol 1, Biblioteca Municipal de Vila Real, 19-44.