2021 Dezembro
Itinerário XVII de Braga a Chaves: finalmente foram resolvidas as dúvidas sobre o verdadeiro percurso deste itinerário. A correcção do traçado em alguns pontos permitiu acertar a marcação miliária com os miliários conhecidos. A saber: a descida da Portela de Cambedo para a Ponte do Arco segue um trajecto mais curto que encurta o percurso em uma milha, permitindo acertar as distâncias, com a milha 34 a ser vencida na Ponte do Arco e a 35 em Padrões. Consequentemente, a localização da estação Praesidium, a 46 milhas de Braga, deverá corresponder ao Alto de Leiranque/Cruz de Leiranque, onde aliás apareceu um miliário. Toda esta área ficou submersa após a construção da barragem do Alto Rabagão, o que tem dificultado a identificação do traçado e consequentemente também a determinação da distância percorrida. Uma reanálise deste troço permitiu encurtar o trajecto de forma que a milha 48 corresponde ao sítio romano da Leira dos Padrões e a milha 50 à aldeia de Travassos, local onde a via bifurcava nas duas variantes a Chaves, uma mais setentrional pela região mineira de Solveira e Vilar de Perdizes, e outra mais meridional, seguindo por Arcos, Alto do Pindo, Malhó, Sapelos e Serra da Pastoria, percurso aliás pontuado por diversos miliários que servia a região mineira do Vale do Terva. Desta forma acerta-se a marcação miliária com as 59 milhas indicadas no miliários do Alto do Pindo e com as 65 milhas indicadas no miliário de Lapavale em Sapelos. Confirma-se que o Itinerário XVII não seguia a variante sul, mas a variante por Ciada e Vilar de Perdizes. No entanto, a localização de Caladuno a 62 milhas de Braga não coincide com o povoado romano da Ciada (onde antes propusemos a localização desta estação), mas mais adiante, ou seja, no vicus da Veiga de Vilar de Perdizes, onde de facto era vencida a 62ª milha, com uma grande concentração de vestígios relacionáveis com uma estação viária, em particular, uma ara a Júpiter e outra dedicada à divindade local Larouco, culto presente no santuário rupestre da Penascrita, onde uma inscrição colocada por soldados Legião VII Gémina dedicada a esta mesma divindade, atesta a importância deste local no contexto viário. Desta forma, pensamos que Caladuno deverá ser localizada neste vicus viarum. Notar que daqui partia um ramal de ligação a Geminas, reforçando a importância deste nó viário.
Aliás, só este percurso mais a norte acerta com as 43 milhas a Chaves registadas em miliários que apareceram na Ponte do Arco, mostrando que a distância total entre Braga e Chaves era de 77 milhas e não as 80 indicadas no itinerário. Portanto, a marcação miliária é referente a este percurso mais curto, enquanto a etapa do tramo Caladuno-Aquae Flaviae referido pelo Itinerário teria de ter mais 3 milhas. De facto, se traçarmos um percurso por S. Caetano (necrópole), Alto das Coroas (povoado fortificado), Ervededo, Torre do Couto e Outeiro Seco até Chaves, obtemos esse valor. Assim, pensamos que este seria o percurso indicado no Itinerário enquanto a marcação miliária indica um percurso 3 milhas mais curto que terá suplantado o anterior trajecto.
2021 Novembro
Mapa de Vias: actualização do "Mapa de Vias" com a publicação da versão 4.6. Agradeço que ao citar o mapa indiquem a versão e o momento da consulta. As principais alterações são as seguintes:
Vias da Serra da Estrela: revisão das vias que partiam de Viseu na direcção do Mondego rumo à Serra da Estrela, nomeadamente com a inclusão do Itinerário de Viseu a Seia passando no recentemente identificado miliário de Santa Comba (Seia). Este itinerário partia de Viseu rumo à travessia do rio Dão na Ponte de Alcafache. Segue depois por Abadia de Espinho, local a 7 milhas do rio Dão, valor que é o valor indicado no miliário de Cláudio da Quinta da Ponte (ver abaixo "Vias em Mangualde"); continua para a travessia do rio Mondego em Porto Senhorim (a 12 milhas de Alcafache), e daqui segue até Santa Comba (a 8 milhas do Mondego). O miliário de Santa Comba assinalava o cruzamento desta via com a via de Celorico a Bobadela. Notar o acerto da marcação miliária com os miliários conhecidos, seguindo o habitual padrão de etapas com 12 milhas. Ver Itinerário de Viseu a Seia.
Vias em Mangualde: O itinerário de Viseu a Mangualde foi revisto com um melhor acerto da marcação miliária com os marcos encontrados nesta rota. Deste modo o cruzamento em Mangualde com a via N-S que segue paras as travessias do Mondego e do Dão (rumo a Bobadela e a Coimbra, respectivamente) não se faria junto da Igreja de Mangualde como propusemos antes, mas a norte deste local, junto do miliário da Cruz, localizado a cerca de 11 milhas de Viseu. Daqui segue pela base do castro da Sra. do Castelo junto da mansio da Quinta da Raposeira, seguindo depois por Almeidinha, Casal de Cima (onde identificamos um miliário inédito junto da fonte da rua do Forno), continua por Cervães (miliário convertido em alminhas) e Abrunhosa-a-Velha (1 miliário da milha 18 e outro da 20) rumo à travessia do rio Mondego na Barca Velha de Poço Moirão. O miliário da Cruz em Mangualde estava no cruzamento desta via com outra na direcção N-S que segue por Senhorim rumo a Nelas, de onde poderia ligar à travessia do Mondego nas Caldas da Felgueira rumo a Bobadela, ou continuar para oeste rumo à travessia do rio Dão em Santa Comba, seguindo daí para Coimbra. Estes parecem ser os eixos principais que cruzam Mangualde, no entanto, subsistem ainda muitas dúvidas, em particular quanto ao posicionamento original de dois miliários encontrados nesta área ainda com a marcação miliária visível e ambos indicando muito provavelmente a distância ao Mondego. Se o marco de Licínio indicando 11 milhas corresponde de facto à distância entre o Mondego/Felgueira e Santa Luzia, local onde terá aparecido o marco, o mesmo não de pode dizer do marco que apareceu na Quinta da Ponte, Abadia de Espinho, pois este indica 7 milhas, distância insuficiente para percorrer o caminho entre o Mondego e Espinho que ronda as 9 milhas. Por outro lado, a possibilidade de a via proveniente de Mangualde cruzar esta ponte rumo a Senhorim não nos parece viável (contra Vaz, 1976) porque obrigaria a cruzar a ribeira do Castelo por duas vezes, situação de todo anormal na viação antiga quando existe claramente um traçado a seco entre estes pontos, passando na Fonte do Alcaide rumo a Senhorim; daqui segue até Nelas, onde cruza a via proveniente de Viseu rumo à travessia do rio Mondego em Felgueira. Deste modo, é mais provável que o miliário de Cláudio da Quinta da Ponte tivesse outra referência para a contagem miliária, integrando portanto uma outra via. Ora, esta via com directriz O-E vinha de Alcafache por Lobelhe e Moimenta até à Abadia de Espinho, percurso com cerca de 7 milhas, ou seja, as mesmas que são registadas no miliário. Daqui a via segue para o Mondego, rio que cruzava em Porto Senhorim/Cambelo, percurso com cerca de 5 milhas, seguindo depois por Santa Comba rumo a Seia.
Biblio: Os resultados das recentes escavações na Torre Velha de Castro de Avelãs revelaram a total ausência de sinais de ocupação pré-romana, o que vem fragilizar a hipótese da sua identificação com a sede do povo Zoela. No entanto, é possível que o povoado integrasse a Ordo Zoelarum que colocou uma inscrição dedicada à divindade Aerno (hoje perdida). A epigrafia parece também apontar nesse sentido, dada que na sua grande maioria são inscrições funerárias referentes a peregrini, não havendo nenhuma que possa atestar a sua suposta capitalidade (p. 339), apesar dos autores adiantarem algumas possíveis explicações para esse facto. Estes resultados vêm reforçar o carácter viário desta estação que deverá ser identificada com Roboretum, a estação mencionada no Itinerário XVII de Antonino. REDENTOR, Armando et al. (2018) -
"Torre Velha de Castro de Avelãs (Bragança): resultados arqueológicos e novidades epigráficas".
2021 Outubro
Itinerário de Mirobriga (Santiago do Cacém) a Myrtilis (Mértola):
nova proposta de traçado entre Santiago do Cacém e Mértola; antes fazia-se passar a via por Castro Verde e Santa Bárbara de Padrões, onde se supunha a existência de uma estação viária. No entanto, o percurso revelou-se inviável, em particular na aproximação a Mértola. Deste modo, parece que o trajecto seria paralelo e um pouco mais a norte, passando nas importantes Minas de Aljustrel, continuando depois junto do Castelo Velho de Cobres e da Ermida de Ns. de Aracelis rumo a Mértola, marginando o importante fortim militar romano da época republicana conhecido por Mata-Filhos. Este situa-se nos contrafortes da Serra da Alcaria Ruiva. A entrada em Mértola fazia-se pelo lado norte, confluindo pouco antes na via proveniente de Beja. Assim, a hipótese de Santa Bárbara de Padrões poder corresponder à estação de Arannis fica ainda mais fragilizada.
Blog: novo post sobre o projecto falhado de construção de uma ponte sobre o rio Douro entre Barqueiros e Barrô nos alvores da nacionalidade. Ver em https://viasromanas.pt/blog/index.php/2021/10/30/ponte-do-douro-um-projecto-falhado
2021 Setembro
Vias do Algarve: grande revisão da rede viária do Algarve com base numa nova interpretação do miliário descoberto em Bias do Sul (aliás o único miliário conhecido do Algarve). Segundo a nossa proposta, este miliário não assinalava a via litoral entre Faro e a foz do rio Guadiana (como sempre se acreditou desde a sua descoberta nos anos 20 do século passado), mas a uma outra via que corria de Bias do Sul para norte, seguindo por Moncarapacho (cruzando aqui a referida via litoral) e São Brás de Alportel, nó viário e porta de entrada/saída da serra Algarvia, onde se unia à via "principal" proveniente de Faro rumo a Alcácer do Sal.
Consequentemente o trajecto do Itinerário XXI da foz do Guadiana a Faro foi revisto, em particular na sua passagem por Moncarapacho e junto ao Guadiana. Nesta zona a via teria de evitar os esteiros que então penetravam até Rio Seco e São Bartolomeu, obrigando a um traçado mais interior. Corrigido o trajecto, obtivemos as 60 milhas indicadas no Itinerário que correspondem à distância entre a Ermida de São Luís em Faro e a margem direita do Guadiana próximo de Castro Marim (ver Itinerário Baesuris a Ossonoba). A nova proposta de uma via entre Querença e Bias está descrita em detalhe num post publicado no blog a 9 de Setembro que pode ser lido aqui.
Itinerário de Collippo (Leiria) a Eburobrittium (Óbidos): esta via bifurcaria em Aljubarrota, onde poderia existir uma mutatio (em vez do Carvalhal como anteriormente proposto). Um ramo mantém a directriz N-S e segue por Carvalhal, Fonte Santa, Zambujeira, Palhota, Tagarro e Ota, rumo a Alenquer (ver itinerário). O outro ramo segue por Alcobaça, Alfeizerão e Salir de Matos rumo a Óbidos. O traçado desta via entre Aljubarrota e Alcobaça foi também revisto, alterando a anterior proposta que fazia passar a via na Quinta dos Ingleses (seguindo uma sugestão de Vasco Mantas que menciona um troço lajeado neste local); no entanto, este trajecto será muito posterior. Tudo indica que a via seguia antes por Outeiro de Lusia, Boa Vista de Cima, Casal da Palmeira rumo à ponte sobre o rio Alcoa em Alcobaça, a 4 milhas de Aljubarrota. A via seguiria depois por Vestiaria e Cela rumo a Alfeizerão onde apareceu um miliário de Adriano. É duvidoso que seguisse propriamente até ao vicus portuário que ali existia, defronte da antiga orla costeira, sendo possível que o miliário estivesse originalmente em Casal do Pardo, dado este local estar a 12 milhas de Aljubarrota, distância típica entre estações viárias, mas também à mesma distância da cidade portuária de Eburobrittium. A marcação deste ponto da estrada no tempo do imperador Adriano, sugere possíveis reparações da via, eventualmente relacionadas com a implantação do vicus no porto de Alfeizerão. Na época o povoado assentava sobre um pequeno promontório, com um braço de mar penetrando pela foz da ribeira de Alfeizerão, não sendo possível portanto, um trajecto por Vale de Maceira e Valado de Santa Quitéria como se tem proposto. Assim, é mais provável que o percurso se fizesse em altura com a mutatio localizada em Casal do Pardo junto da milha 12, onde aliás apareceu uma estela funerária. Aliás o miliário terá sido encontrado a pouca distância, no lugar da Ramalhiça (Mantas, 1986), facto que vem reforçar a nossa proposta. Daqui seguiria depois por Charnais, Salir de Matos e a nascente de Caldas da Rainha rumo ao povoado romano de Eburobrittium próximo de Gaeiras.
2021 Agosto
Blog: novo post sobre a possível rota romana ligando o rio Lima ao rio Minho passando no acampamento romano da Lomba de Mouro, recentemente identificado, junto da Portela de Pau em Castro Laboreiro. Ver em https://viasromanas.pt/blog/index.php/2021/08/17/a-via-da-lomba-do-mouro-castro-laboreiro
2021 Julho
Rotas - Via militar da Lomba do Mouro: A propósito da escavação em curso no acampamento militar romano da Lomba do Mouro (Castro Laboreiro), cujos resultados preliminares apontam para o período da conquista do noroeste peninsular, tentei identificar o possível traçado da via que cruzava o acampamento romano, situado nas alturas de Castro Laboreiro, actual fronteira Galiza/Portugal, numa área também com vários monumentos megalíticos. De facto, se prolongarmos a via para sul percorrendo a linha de festo da serra vamos de encontro à Via Nova, cruzando o rio Lima num um meandro designado por Retorta, próximo da povoação de Torno (Lobios), local onde a «Via Nova» atingia a milha 45 a Bracara. Esta trajecto seria uma derivação para noroeste, ascendendo a serra por Lama e Ferreiros até à Ermida de San Benito, continua depois por alturas da serra até ao acampamento romano, situado a cerca de 13 milhas do rio Lima e a 14 da «Via Nova», distâncias habituais entre estações viárias. O campo ostenta ainda os vestígios da sua muralha com 2,2 m de espessura, fechando uma grande área com mais de 20 hectares. A existência deste acampamento implica que a via teria continuação para a Galiza, mas o seu percurso é bem mais obscuro. De facto, a continuação da via para norte vê-se muito dificultada pelo acidentado do terreno do lado Galego pelo que é bem provável que a via mude a direcção que trazia do rio Lima, descendo primeiro até próximo de Castro Laboreiro (por Alto da Picota, Queimadelo, Falagueiras, Coriscadas e Porto de Carros), para daqui rumar novamente para norte, percorrendo o vale pela margem esquerda do rio Trancoso até São Gregório (seguindo por Vido, Portelinha, Porteiro/ Porto de Asnos/ Porto de Cavaleiros, Alcobaça, A-da-Velha, Campo do Souto, Sobreira, Cristoval), para cruzar este mesmo rio na Ponte Velha/ Ponte Barxas, a antiga porta de entrada em território Galego. Depois seguia talvez por Vendas e Trado, passando junto da Ermida de San Xusto, mas o seu destino final continua incerto. Atendendo à grande dimensão deste acampamento, assim como a sua sólida muralha, indiciam que esta passagem foi extremamente importante no avanço do exército romano durante o período inicial da conquista, ocupando um local absolutamente estratégico entre o rio Lima e o rio Minho, a cerca de 14 milhas tanto da «Via Nova» como da entrada na Galiza. Embora fosse pressentido que existia uma via desviando da «Via Nova» para norte, a identificação e caracterização deste assentamento vem reforçar em definitivo a importância desta passagem, assim como a sua integração nos grandes itinerários que cruzavam esta região. Ver também entrada no blog: https://viasromanas.pt/blog/index.php/2021/08/17/a-via-da-lomba-do-mouro-castro-laboreiro/
Itinerário XVIII («Via Nova»): na sequência do anterior, e com o intuito de identificar o ponto onde esta via deriva do Itinerário XVIII, procedeu-se à revisão da marcação miliária da «Via Nova». Daqui resultaram diversas alterações: a milha zero foi reposicionada na antiga porta norte da cidade. Deste modo a primeira milha corresponde ao topo norte do cemitério em Areal de Baixo, a segunda à Capela das Sete Fontes, na divisória entre freguesias, e a terceira a Adaúfe. Permanecia a dúvida sobre o local de travessia do rio Cávado, mas pela marcação miliária é mais provável que esta se fizesse na Azenha do Ribeiro, seguindo depois para Barreiro onde vencia a milha seis. Mais adiante, corrigiu-se o trajecto da «Via Nova» junto a Campo do Gerês; a marcação miliária sugere que o trajecto original corresponde à actual estrada, encurtando ligeiramente o percurso e desse modo, acertando a milha 28 com a entrada da aldeia. Daqui à Portela do Homem não há alterações. A partir daqui prolongou-se a cartografia da via até Aquis Querquennis. A contagem miliária coloca a milha 51 junto do acampamento romano junto a Puerto de Quintela, a milha 52 em Baños de Bande e a milha 53 junto da travessia do rio Cadones, próximo da qual apareceu um miliário indicando essa mesma distância. Esta parte do itinerário pode ser consultada aqui.
Mapa de Vias: publicação da versão 3.7 do mapa de vias e sítios com, entre outras, as rectificações descritas acima.
2021 Março
Lisboa: A chamada variante pela margem direita do Tejo da via de Lisboa a Santarém poderia não existir no período romano. É um percurso atípico na viação romana, obrigando à constante travessia dos seus afluentes. Assim, a suposta ponte romana de Sacavém referida por Francisco d'Holanda não deve passar de um equívoco deste autor, devendo ser de um período posterior. Hoje é praticamente consensual fazer passar a via por Loures, onde apareceram miliários. Daqui segue até ao Povoado do Monte dos Castelinhos, situado precisamente a 30 milhas de Lisboa (contadas a partir da margem do Tejo no Campo das Cebolas). O acerto da marcação miliária com a distância indicada no "I. A." para Ierabriga vem confirmar a proposta já adiantada por João Pimenta de identificar este povoado com o Monte dos Castelinhos. O facto deste povoado da Idade do Ferro estar precisamente no limite do concelho de Lisboa é outro indicador da importância desta estação.
Por outro lado, a sua tipologia é bem mais adequada ao topónimo Ierabriga que aponta para um povoado fortificado. No entanto, é muito provável que a estação viária no período romano tivesse sido estabelecida junto da ribeira de Alenquer, na actual povoação, atendendo aos vários vestígios aí encontrados e à concentração de miliários nesta zona. O outro grande itinerário segue de Loures para Óbidos e Leiria, ou seja, por Eburobrittium e Collippo. A milha zero corresponde ao largo das Cebolas junto ao Tejo onde estaria o miliário de Probo que apareceu na Casa dos Bicos. Para sul, cruzava o Tejo para Cacilhas e daqui a Coina (Aquabona), onde bifurcava rumo ao porto Setúbal (Caetobriga) (pela Serra da Arrábida) e para Alcácer do Sal (Salacia), passando junto a Palmela.
Artigos: Soutinho, Pedro (2021), "Ad n. 731-733". FE 210, Addenda et corrigenda, 3-5. Publicação no «Ficheiro Epigráfico» 210 de alguns comentários sobre os números FE 731 a 733 (possíveis miliários no concelho de Moimenta a Beira) - ver também Itinerário https://viasromanas.pt/index.html#regua_moimenta.
2021 Janeiro
Item ab
OLISIPONE
EMERITAM
AQUABONA
CATOBRICA
CAECILIANA
MALATECA
SALACIA
EBORA
AD ATRUM
DIPONE
EVANDRIANA
EMERITA
m.p. CLXI
m.p. XII
m.p. XII
m.p. VIII
m.p. XXVI
m.p. XII
m.p. XLIIII
m.p. VIIII
m.p. XII
m.p. XVII
m.p. VIIII
Itinerário
Corrigido
Aquabona
Caetobriga
Caeciliana
Malateca
Salacia
Ebora
Ad Atrum
Dipone
Evandriana
Emerita
m.p. CCXIII
m.p. XII
m.p. XII
m.p. VIII
m.p. VIII*
m.p. XXI*
m.p. XLIIII
m.p. LXX*
m.p. XII
m.p. XVII
m.p. VIIII
Itinerário XII: revisão da problemática localização das estações intermédias entre Setúbal e Alcácer do Sal, nomeadamente Caeciliana e Malateca. Não há qualquer dúvida quanto à existência de erros neste itinerário, dado que as 46 milhas indicadas entre Caetobriga e Salacia ultrapassam em muito a distância real entre Setúbal e Alcácer que rondará no máximo 35 milhas. Anteriormente propusemos uma correcção na sequência de estações e nas distâncias intermédias entre estações (ver a entrada "Itinerário XII" de 2017 Novembro) de forma a justificar as incongruências do itinerário no I.A; então foi proposto uma localização de Caeciliana no sítio da Palma, antiga estação viária mencionada no «Roteiro Terrestre» do MPAM, dado que assim teríamos um acerto com as distâncias indicadas, isto é, 8 milhas a Marateca e 12 milhas a Alcácer do Sal; mas para isso era necessário não só trocar a ordem das estações como corrigir a distância de Setúbal a Marateca para 14 milhas, situação pouco comum nos Itinerários. No entanto, uma análise dos traçados mais prováveis com base em critérios geográficos levaram a uma revisão desta proposta nos moldes que passo a explicar. Para quem vinha de Alcácer do Sal para norte e depois de cruzar a ribeira de Marateca, onde situamos e mantemos a localização de Malateca (no morro adjacente), a via continuava para o Monte da Lentisqueira (@41.5329981,-8.4415129), onde deveria bifurcar, com um ramo mantendo a mesma directriz rumo a Lisboa e outro inflectia para sudoeste rumo ao porto de Caetobriga (Setúbal); ora esta bifurcação era o local ideal para instalar uma estação viária; acresce que este ponto está situado precisamente a 8 milhas de Caetobriga tornando esta proposta compatível com o indicado no Itinerário. De facto, o trajecto mais curto para Lisboa seria por Palmela até Aquabona (Coina) e daqui à travessia do rio Tejo em Cacilhas (troço conhecido por «Estrada dos Espanhóis»), evitando assim o grande desvio por Setúbal (mais 4 milhas) e consequentemente evitando também a difícil travessia da Serra do Louro. Assim propomos que estando Caeciliana junto desta bifurcação, então haveria que rever a distância até Alcácer. Assim, a distância até Malateca deve ser corrigida de 26 milhas para 8 enquanto a etapa seguinte passaria das 12 milhas indicadas para 21 milhas; desta forma há acerto total com a realidade geográfica, mantendo a sequência de estações indicada no I.A.; estes erros poderão ter origem numa transcrição errada do texto original visto que os numerais indicados podem ser facilmente confundidos; no primeiro caso o Itinerário indica 26 milhas a Malateca (distância de todo impossível) quando deveria indicar oito, ou seja, uma troca entre os numerais «XXVI» e «VIII»; no caso da distância de Malateca a Salacia temos 12 milhas quando a distância real é 21 milhas, ou seja, uma troca entre os numerais «XII» e «XXI». Em síntese, estou convicto que esta solução andará muito perto da verdade, mas de facto não temos conhecimento de qualquer vestígio romano na área do Monte da Lentisqueira, achados esses que poderiam ajudar a resolver a questão.
Aliás o seu desaparecimento da paisagem poderá dever-se à relativa modéstia das suas instalações, não passando eventualmente do edifício da própria albergaria, assim como ao revolvimento de terras devido à actividade agrícola.
Interessante notar que este local ainda hoje é utilizado para separar as freguesias de Palmela e Marateca, um indicador da sua antiguidade e do seu carácter fronteiriço; além disso a distância deste ponto a Coina que ronda as 16 milhas, é um valor típico entre estações viárias e também a dimensão habitual de uma civitas romana na Lusitânia, reforçando assim a nossa proposta.
Ao longo da presumível via, actualmente designada por «Estrada dos Espanhóis» (EM533 e CM1040, ligando Palmela a Marateca), subsistem topónimos viários como «Vendas» e «Cabeço da Vigia», mas é precisamente junto deste cruzamento que surge o interessante topónimo «Rua dos Galeanos», eventualmente uma corrupção de Caelianos por Caeliana (?).
Por último, uma nota sobre qual seria o verdadeiro nome desta estação viária. No Itinerário surge como Caeciliana, mas numa fonte mais tardia como é o «Ravennatis», surge simplesmente como «Celiana» (Rav. IV.43).
Por outro lado, Ptolomeu menciona uma Caepiana precisamente nesta área geográfica, sugerindo que poderá haver corrupção do seu nome nas diversas fontes. Corrigindo Caepiana para Caeliana (erro perfeitamente aceitável) e a Caeciliana do Itinerário para Caeliana, obtemos concordância entre as fontes, sugerindo que seria este o seu verdadeiro nome.
Ora, esta bifurcação estrada segue a norte de Palmela rumo a Lisboa, passando na base do Castro de Chibanes (ver itinerário aqui), povoado fortificado indígena onde viria a ser instalada uma guarnição militar no período republicano (Soares et al., 2019: 87), certamente para controlo destas duas estradas que davam acesso aos importantes portos de Setúbal e Lisboa. Deste modo, a relação entre os dois sítios torna-se evidente, com Caepiana/Caeliana/Caeciliana referindo a estação na planície e o Castro de Chibanes o povoado que lhe dei origem (contra Guerra, 2004), podendo nesse caso ser originalmente designado por Caelium ou Caeliobriga (?).