Bairro da Sé do Porto - A RUA DO SOUTO

A Rua do Souto partia do entroncamento das Ruas da Bainharia e dos Pelames - na zona vulgarmente conhecida como Cruz do Souto - e dirigia-se para o morro oposto, atravessando o Rio da Vila e subindo até aos Caldeireiros, em direcção à Porta do Olival. Nos finais da Idade Média esta rua é uma das que apresenta maior concentração de propriedade camarária, que a edilidade afora abundantemente. Na realidade, o índice de documentação tardo-mediévica elaborado por Luís Amara revela que uma parte significativa dos aforamentos da Câmara se concentram nesta Rua. No entanto, a esmagadora maioria destas referências documentais não dizem respeito à zona em estudo, uma vez que se concentram na parte alta da rua do Souto, na zona a Noroeste do Rio da Vila, que escapa à área em estudo.

Assim, poderíamos dizer que a Rua do Souto e a Rua dos Caldeireiros formavam um único eixo viário, estabelecendo a ligação desde a Porta do Olival até ao Morro da Sé. A mudança toponímica - da Rua dos Caldeireiros para a Rua do Souto - deveria dar-se por alturas do Hospital de Rocamador. A distinção estabeleceu-se pelo menos desde que, em 1521, esta rua se viu cortada em dois pela abertura da Rua de Sta. Catarina das Flores. Inicialmente, a Rua dos Caldeireiros seria designada Rua da Ferraria de Cima.

Diz Eugénio Andrea da Cunha e Freitas que "A Rua do Souto era das mais antigas e certamente a mais longa artéria do velho burgo portuense em tempos medievais. Principiava, como hoje, na Bainharia, atraves-sava o Rio da Vila (rua Mouzinho da Silveira) e continuava por junto do antiquíssimo Hospital de Rocamodor, pela Caldeiraria acima, até à Praça do Olival, na Cordoaria".

A Rua do Souto está documentada pelo menos desde 1234. Em documento de 1259 encontramos referência a um forno de cal na viela do Souto (que depois se passou a designar Viela do Forno). Essa viela ficava junto dos Pelames, ao Rio da Vila, como se lê em emprazamento de 1586: "na rua do Souto, na Viela do Forno, defronte da Rua dos Pelames". Julgamos que será carta de venda de um forno e de sua cortinha que Martinho Egea fez a Salvador Nunes e a sua mulher Joana Afonso, em 1259. Em 8 de Maio de 1295, no testamento de D. Abril Peres, Cónego da Sé do Porto e Abade de Cedofeita, refere-se "…a mha casa do Souto…"

Em documento municipal de 1350 permitiu-se que os clérigos residissem na Rua do Souto "des a Porta do Souto para a Porto do Olival".
acrescentam que no campo que ficava por trás da casa havia vinha e figueiras.
Em 4 de Março de 1357 um documento refere "… a meyadade dhumas casas que estam na dita çidade na Rua do Ssouto em que soya de morar Stevam Martyns Fferreiro com outra parte de seu lagar que esta nas ditas cassas e com outra tanta parte de toda a vynha e canpo e terreo que esta tras as ditos cassas…". Esta referência, no entanto, suscita algumas dúvidas. Na realidade, e como referimos, as casas da Câmara na rua do Souto são quase todas na parte alta da rua, para lá do Rio da Vila (a caminho dos Caldeireiros e da Porta do Olival). Por isso, a casa acima referida, com quintal e vinha, devia ser na zona alta da rua do Souto e não propriamente na parte baixa, junto da Cruz do Souto, onde as casas já deviam estar mais unidas. Há mais documentos relativos à mesma casa no Corpus Codicum,VI, p. 61 (tb. de 4 de Março de 1357), p. 61-62 (de 2 de junho de 1357), p. 62 (idem), p. 67 (de 31 de Outubro de 1358) e p. 68 (Idem). Apenas

Em 1397 foi exigido por sentença que João Fernandes, ferreiro, exibisse o título das casas que possuía na Rua do Souto. É que nesse título, que Gonçalo Martins fizera a João Fernandes em 1390, encontrava-se transcrito o prazo que o Cabido da Sé fizera, dessas mesmas casas, ao referido Gonçalo Martins em 1355.

Em 25 de Novembro de 1446 o Cabido da Sé fez escambo de umas casas sobradadas de pedra e de uma torre, também de pedra, que estava por de trás das primeiras casas, tudo sito na Rua do Souto, e que rendiam anualmente 6 morabitinos (116 reais brancos), por umas casas sobradadas que ficavam na "rua que vai da Cruz do Souto para a Sé" (ou se a, na Rua Escura), e pela metade de uma casa na Rua Chã.

O Hospital de Rocamador (que se localizava na confluência da Rua das Flores com a Rua dos Caldeireiros) e o Hospital de Sta. Clara (que se erguia ao cimo da Rua dos Mercadores), possuíam casas na rua do Souto, ao chegar à Cruz do Souto, propriedades que a Câmara aforou em 1498.

Em 14 de Novembro de 1467 a Câmara aforou a título perpétuo a Afonso Alvares, espadeiro, e a sua mulher; parte das águas do Rio da Vila, "a so a caal do Souto acerqua do pardieiro que foy azenha". Esta é uma das várias referências conhecidas que documentam a existência de azenhas no Rio da Vila, no curso que hoje se encontra encanado sob a Rua Mouzinho da Silveira.

Estas não eram, no entanto, as únicas estruturas peculiares que existiam na Rua do Souto ou nas suas imediações. Efectivamente, nesta zona da Rua do Souto, sobretudo no quarteirão definido pela Rua do Souto, Rua dos Pelames e Rio da Vila, havia uma grande concentração de aloques e de pelames. Em 1485 a Câmara aforou três pelames que pertenciam ao Hospital de Cimo de Vila; em 1497 a Câmara trazia aforado um aloque e um pelame nesta zona; em 1498 a edilidade aforou um pedaço de fraga granítica junto aos Pelames para nela se fazer um aloque. Esta concentração de aloques e pelames, estruturas escavadas na rocha, ligadas ás actividades de curtimento de peles, encontra-se igualmente documentada no Séc. XV por Iria Gonçalves e em Época Moderna por Francisco Ribeiro da Silva. Iria Gonçalves refere na documentação camarária da segunda metade do séc. XV a existência de sete ou oito aloques no Souto e nos Pelames, cujo aforamento rendia pouco à edilidade. Por seu turno, Ribeiro da Silva contava 31 aloques e pelames da Câmara na zona da Rua dos Pelames (23 aloques e pelames) e na Calçada da Relação (oito aloques e pelames). Esclarece este autor que a industria de curtimento de peles, altamente poluente, e que descarregava directamente no Rio da Vila, com as consequências conhecidas, se concentrava sobretudo na zona da rua do Souto e dos Pelames. De resto, as actividades relacionadas com o curtimento de peles, sempre mal-cheirosas, haveriam de motivar diversas disposições camarárias no sentido de as proibir ou de as limitar.

Não eram estas, no entanto, as únicas estruturas rupestres que se localizavam na Rua do Souto ou. nas suas imediações. Em 18 de Junho de 1731 levantou-se um Auto da Vistoria realizada a um "poço de pedras no sítio dos Pellames da dita rua [do Souto] por detratar a fonte da dito rua e junto ao rio da villa que servia de lavadouro de roupa de uso público, com o qual também se acudia a incêndios, sítio em que Manoel S. e outros fizeram uma divisão de parede para coiros para grave prejuízo do cidade".

Nas Vereações de 1391, quando a pedido de D. João I a Câmara elabora uma lista com seis alternativas para a construção de estalagens no Porto, opta-se por se sugerir que se construa "No Souto huma estalagem grande e boa".

Luís de Pina localiza na Rua do Souto o Hospital de s. João Baptista, que era pertença da confraria de Nª. Srª. da Silva, dos Ferreiros de Cima. Antes de aqui ter sido instalado teve sede na Rua de Cimo de Vila.

Por seu turno, António Cruz diz que os Ferreiros, Anzoleiros e Serralheiros tinham duas instituições de assistência que depois foram fundidas numa só: o Hospital de S. João Baptista que era administrado pela Confraria de Na. Srª. da Silva e que ficava (primeiro) na rua de Cimo de Vila, e que foi depois transferido para a rua do Souto. Era conhecido como Hospital-Albergaria dos Ferreiros de Cima. Para além deste havia o Hospital dos Ferreiros de Baixo, que ficava na zona de S. Nicolau (Hospitais de Santiago e de Santa Catarina, depois unidos a partir de 1451 e conhecidos como Hospital de S. Nicolau).
É mencionada corno "Rua do Souto" em documento do Livro 6 de Pergaminhos, que se conserva no A.H.M.P.

Em 22 de Fevereiro de 1731, na sequência de Vistoria da qual se conserva o respectivo Auto, Valério Lopes recebe licença para reedificar as casas "por cima d'uma arca junto do Rio da Villa, obrigando a por com segurança pelo lado de fora o cano d'água que vem para a Fonte do Souto".

A CRUZ DO SOUTO
O Largo que une a Rua do Souto com a Rua Escura, a Rua da Bainharia e a Rua dos Pelames, era o local onde estava erguida uma Cruz, o que levou a que fosse memorizado como a Cruz do Souto, referida em diversos documentos medievais (nomeadamente de 1446 e de 1450). Segundo Eugénio Andrea da Cunha e Freitas, a primeira referência à Cruz do Souto remonta a 1391.

Pela sua implantação, a Cruz do Souto cedo se afirmou como um dos nós viários fulcrais do espaço urbano do Porto mediévico e moderno. Efectivamente, e como Isabel Osório sublinhou, a Cruz do Souto dominava uma das principais vias de comunicação na centúria de duzentos: o acesso á Ribeira, à Cividade e á Sé e a via que ligava a cidade com o território ocidental. Ocupava uma pequena chã, a meio dos declives da Bainharia e Rua Escura.

Nas traseiras de algumas casas na Cruz do Souto existiam casas-torres que davam para a Rua Escura. Haviam também estalagens, a Albergaria dos Ferreiros e um Paço. A análise das construções nesta zona deve ter em atenção estes dados. O Largo da Cruz do Souto já era calcetado nos fins da Idade Média, uma vez que Iria Gonçalves encontrou, entre as despesas da Câmara da segunda metade do séc. XV verbas destinadas a obras de reparação da calçada.

No entanto, a zona conhecida na Idade Média por Cruz do Souto era bastante mais pequena que a que hoje ali encontramos. Na realidade, pouco mais deveria ser que o entroncamento de ruas. Iria Gonçalves regista, nos meados do séc. XV que "por ordem do concelho haviam sido demolidos umas casas particulares no Cruz do Souto para se alargar a rua e ficar assim mais desafogado. Em troca deu às pessoas lesadas umas casas suas que rendiam, em meados do século, 212 reais…"

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