Bairro da Sé do Porto - A RUA DOS MERCADORES

A Rua dos Mercadores foi, juntamente com a Bainharia e a Rua Escura, um dos eixos de circulação vital para o Porto Mediévico, ligando a zona ribeirinha, centro mercantil, ao burgo episcopal e assegurando a comunicação com as principais vias medievais que saiam do Porto em direcção ao Entre-Douro-e-Minho e a Trás-os-Montes. Percorrendo a zona extra-muros desde as imediações da Porta de Sant'Ana até à Praça da Ribeira, junto ao Douro - ia, segundo documento antigo, "de Sant'Ana para baixo até a Praça da Ribeira" - ela seria, como o seu nome indica, um dos locais eleitos pelos mercadores portuenses para instalarem as suas moradias e estabelecimentos. Era assim, uma zona rica da cidade, com estruturas bem cuidadas, embora algumas, como veremos, desde cedo oferecessem problemas de conservação.

Apesar de ser uma das zonas ricas da cidade, a Rua dos Mercadores encontra-se documentada apenas para uma fase já relativamente tardia. É possível que o tipo de propriedade que aqui se localizava - talvez uma percentagem mais elevada de habitação própria, ao contrário de outras artérias portuenses, onde as habitações eram sobretudo arrendadas - ajude a explicar este relativo silêncio da documentação. Mas apesar de tudo, conhecem-se alguns títulos de aforamento, Em 1388 era feito prazo de umas meias-casas situadas na Rua dos Mercadores, que eram do Cabido da Sé, e que este emprazava a João Afonso. Em 1507 o Cabido emprazava umas Casas-Torres que detinha nesta Rua. E, em 1548 eram emprazadas umas Casas-Torres na Rua dos Mercadores, que o Cabido da Sé assina em favor de Bartolomeu Álvares Araújo.

A Rua dos Mercadores encontra-se referida desde pelo menos os inícios do Séc. XIV Em 1309 a Rua dos Mercadores é designada "rua per hu vam a Ribeira". É de novo referida em Carta de D. Fernando datada de 16 de Dezembro de 1374, pelo qual o monarca ordenava aos nobres e prelados do reino que não pousassem na cidade do Porto por mais de três dias e que se fossem à cidade não procurassem aposentadoria nem na Rua dos Mercadores nem nos Mosteiros e Estalagens da cidade. A Carta, publicada no Corpus Codicum, diz:

"Dom Ffernando pella graça de Deos Rey de Portugal e do Algarve o vos Juizes da Çidade do Porto e o todollas outros nossas justiças a que esta carta for mostrada, Saude. Sabede que o Conçelho e homens boons dessa Çidade nos emvyarom dizer que por muytas vezes pelos Reis dante e outrossy por nos, ouverom liberdades que fidalgos nem pralados nom pousassem com elles nem lhis tomassem suas palhas nem lenhas specialmente quando nos hy nom fossemos Ese alguuns destes fidalgos pousassem com alguum sseu amjgo que nom pousassem ne stevesse hy mays que tres djas nem tomasse dss casas de seus vezinhos nem sas cavalariças nem suas palhas nem pousassem com elles. E que ora des que sse esta guerra começou dizem que fidalgos grandes e prellados leyxam dir poussar nos moesteyros e mandar sas companhas aas stalageens ou as que para esto forem e hirem pousar em ellas que hy bem poderiam caber e stam vagas e vam pedir barros (?) na Rua dos Mercadores (…) E nos veendo o que nos pedjam e querendolhjs fazer graça e merçee temos por bem e mandamosvos que lhis aguardades e façades aguardar todo esto por a guissa que por elles he pedjdo E nom conentades o nem huum fidalgo nem prelado nem aoutros pesoas poderossos que sejam que pousem com elles e elles nem suas companhas em nenhuum logar que seio salvo nos ditos moesteiros stalagens aqueles que pertençe em ellas de pousar …".

O facto de nobres e prelados, bem como outros poderosos, quando se deslocavam ao Porto optarem por exigir o direito de aposentadoria nas casas da Rua dos mercadores é um claro reflexo do facto de ser nesta artéria que se concentravam as casas mais convidativas, e portanto uma ilustração indesmentível de como esta artéria era uma das ruas mais ricas da cidade. De resto, a isenção do direito de aposentadoria seria confirmada e renovada por D. João I, sintoma de que a cobiça pelas boas instalações da Rua dos Mercadores e da Chã das Eiras continuava a fazer-se sentir: Por carta de 22 de Dezembro de 1385, este rei sublinha que os monarcas que o antecederam quando chegavam ao Porto não se instalavam nas Ruas das Eiras e dos Mercadores, confirmando os privilégios que os seus antecessores (nomeadamente D. Fernando) tinham outorgado. Ou seja, os moradores da Rua dos Mercadores tinham o privilégio de isenção de Aposentadoria, tal como acontecia com os moradores da Rua Chã das Eiras (hoje apenas Rua Chã). Segundo Artur de Magalhães Basto, encontra-se de novo documentada em 1393. É mencionada como "Rua dos Mercadores" no Livro 2º de Pergaminhos, doc. 80.

Sendo uma rua de comerciantes e mercadores, era uma zona desde cedo com construções cuidadas. Aqui vemos as casas serem sobretudo de pedra, com dois, três e quatro andares, obedecendo portanto ao esquema da casa-torre. Um documento de 10 de Novembro de 1317 dá-nos uma boa ideia do tipo de construções, ao descrever e ordenar "… que lhi acabase aquelas cassas que começou affazer de pedra ante Albergaria de Ssanta Clara … per fazer acabar as ditas cassas de pedra em paredes ataa çyma entre sobrados e seer huum deses sobrados huum sobrado ladrom e os douos sobrados de ssuso sobrele …". Pretendia-se, portanto, que o primeiro sobrado, entre a R/C e o 1º andar; fosse avançado sobre a rua, como era costume na Idade Média.

A análise da documentação medieval revela que, de entre as várias casas-torres da rua dos Mercadores, uma estava edificada logo à boca da Rua Nova, na parte Sul da rua. Há notícias de outras casas-torres nomeadamente de duas que ficavam em frente ao Hospital de Sta. Clara, do lado da Muralha Românica, confrontando com uma estrebaria, das quais Sousa Reis nos deixou breve mas elucidativa descrição:

"Na mesma rua dos Mercadores houve duas cazas torres ambos construidas á parte do Nascente ou esquerda de quem desce, e na gosto e feitio da torre, que ainda he propriedade do Conde de Terena, e sita conjuntamente com a sua caza da Torre da Marca: continhão dous ou trez andares cada huma, e nelles poucas janellas rasgadas, sendo duas sempre a par: por cima as circundavão ameias de pedra, e he de crer, que fossem seus antiquissimos possuidores homens ricos e abonados, e talvez mercadores de gosso trafico, não só por ser essa rua, aonde se costumovão estabelecer e d'ahi lhe ficou o nome, mas tombem por que mui dispendiozas erão essa, edificaçoens todas de cantaria assente, e suas juntas visiveis, em fim exactamente fabricadas como essa, que apontei; por velhas e aruinadas forão demolidas, não há muitos annos, e em seu lugar se construirão outros propriedades modernas.".

Casa-Torre

Por outro lado, temos registo gráfico de uma dessas velhas Casas-Torres da Rua dos Mercadores quando o proprietário do prédio Nº 156-158 em 20 de Setembro de 1866 decidiu fazer obras de remodelação e submeteu à aprovação da Câmara Municipal do Porto o respectivo projecto. O processo que consta do Livro de Plantas Nº 35, fl, 191 - 192, mostra-nos a alçado de uma Casa-Torre com R/C e três andares, onde a fachada, com duas aberturas por cada piso, organizadas com evidente preocupação de simetria, ostentava no piso superior duas aberturas góticas de indesmentível perfil mediévico. A obra requerido respeitava apenas ao piso superior onde se propunha a substituição das duas estreitas aberturas por duas janelas mais amplas: "… o Suplicante pretende em lugar de duas piquenas janelas que tem no quarto andar meter duas ditos mais regulares...". Infelizmente, a obra seria aprovada.

Apesar de ser uma das zonas ricas da cidade, com uma elevada percentagem de construções pétreas de boa qualidade, a Rua dos Mercadores cedo se confrontou com problemas de conservação das suas casas. Assim, em 15 de Maio de 1432, os Vereadores da Câmara, reunidos, "Acordaram que porquanto os cassas que estam na rua dos Mercadores querem cayr, e porque poderyam perecer algua jente per seu aazo, que se derrubasem e logo requererom ao dicto Juiz que constrangesse Roy Gonçallvez, tabeliam, que presente estava, que derrubasse e o dicto Juiz lhe mandou que ataa VIII dias as derrube ou os correga e nom o fazendo asy per sentença o condanou em duzentos reaes pera a cydade …".

Datado de 1393 conhece-se um instrumento de venda de três quartos de umas casas situadas na Rua dos Mercadores junto ao Hospital de Sta. Clara, as quais Pero Martins, na sua qualidade de testamenteiro de Afonso Martins e de sua mulher Aldonça Anes, vendia a Gonçalo Dinis. A quarta parte, em falta, era propriedade do Cabido da Sé.

Em 1433 era proferida contra Leonor Martins uma sentença por causa do pagamento do foro de umas casas situadas na Rua dos Mercadores junto ao Hospital de Sta. Clara.

Num emprazamento do Hospital de Rocamador, datado de 1438, diz-se que as casas desta rua partiam nas traseiras com a "viela que vai arredor do muro velho". Havia, portanto, uma viela ou serventia pelas traseiras das casas da Rua dos Mercadores, na zona Leste da rua, assunto a que voltaremos adiante.

Em 1443 fez-se um escambo de metade de umas casas nesta rua.

E, em 1466, foi proferida uma sentença de arrematação de umas meias casas situadas na Rua dos Mercadores junto do Hospital de Sta. Clara, por execução feita a Inês Velha.

Em 1467 diz-se que casas suas confinavam "com o Muro velho das Aldas" (a antiga rua das Aldas corresponde hoje à Rua de Sant'Ana), ou seja, que se encostavam à base da muralha Românica.

De resto, José de S. João Novo descrevia a Rua dos Mercadores nos seguintes termos:

"A rua dos Mercadores é escura, tortuosa e apertada por velhas ou restauradas edificações, encostadas na Rua de S. João. Em tempos anteriores ao governo do corregedor Almada, tinham os predios da vetusta rua sido dominadores de extensos quintaes e hortas, que então se expropriam para a abertura d'aquela arteria que, n'uma linha regular, conduz da rua do Mousinho á praça da Ribeira".

O estado ruinoso a que chegaram algumas das suas edificações, outrora motivo de orgulho dos seus habitantes, encontra-se espelhado em diversa documentação camarária dos meados do Séc. XIX:
- Em 23 de Janeiro de 1840 é redigido um Auto de Vistoria no qual de declara a ruína eminente da casa Nº 127.
- Em 17 de Março de 1859 era feita uma participação do estado de ruína a que chegara o prédio Nº 159 desta Rua.
- Em 15 de Dezembro de 1860 o Juiz eleito de S. Nicolau enviou um oficio relativo ao estado ruinoso do prédio Nº 262 a 264 da Rua dos Mercadores.
- Em 31 de Dezembro do mesmo ano de 1860, o referido Juiz fazia ofício sobre o estado ruinoso dos lotes Nº 142- 152 e 154 da Rua dos Mercadores.
- Em 13 de Fevereiro de 1865 foi feito ofício de intimação pelo estado de ruína das casas Nº 65.
- Em 14 de fevereiro de 1865 era a vez de o proprietário da casa Nº 46 a 48 e 80 receber carta de intimação pelo mesmo motivo.
- Em 3 de Março de 1865 era feita uma intimação ao proprietário das casas Nº 24 a 30 da Rua dos Mercadores, pelo seu deficiente estado de conservação.
- Em 24 de Abril de 1866 era enviado um ofício a propósito da ruína do lote Nº 142.
- Em 15 de Novembro de 1866 era a vez do proprietário do prédio Nº 70 receber oficio de intimação
- Em 31 de Janeiro de 1867 decorriam obras no prédio Nº 50 a 52.

Em 1867 a Rua dos Mercadores contava com Armazens vinícolas no Nº 112 e no Nº 140. Este último era um estabelecimento de um cerieiro e armador, António de Barros Freire, que ocupava os Nºs 146 a 150.

Em 1926 registava-se n'O Tripeiro a existência, na Rua dos Mercadores Nº 62 de uma Oficina de Funileiro de tradições ancestrais, transcrevendo-se o documento régio de 1827 que reconhecia a actividade de "fabricante de obras de latoeiro de folha branca":

"Donna Isabel Maria, Infanta Regente dos Reinos de Portugal e Algarves, e seus Dominios em Nome de El-Rei Faço saber, que Manoel Francisco, da Cidade do Porto, Me representou que elle se acha trabalhando por official de Latoeiro de Folha branco desempenhando com perfeição todas os obras que lhe são relativas: e porque desejava estabelecer-se, Me supplicava a Graça de lhe mandar expedir o seu competente Titulo de Fabrica: ao que tendo Consideração, e constando-Me pelos documentos produzidos, e informação do Juiz de Fora servindo de corregedor e Provedor da Comarca do Porto, que o supplicante está nos circunstancias de merecer a implorado Graça: Hei por bem de lhe conceder Licença para estabelecer-se com Fabrica de Obras de Latoeiro de Folha branca, no conformidade dos Reaes ordens estabelecidas o favor dos Artifices insignes, ou de reconhecida Utilidade Publica. Pelo que: Mando a todas as justiças deste pertencer: que a cumpram e guardem como nella se contem.…"

De entre as construções que sobrevivem nesta Rua salientemos a presença de casas que remontam pelo menos ao séc. XVI. Assim acontece com o lote Nº 125- 127, uma casa de pedra que ostenta algumas soluções características dessa centúria. Ou, sobretudo, com a Casa portadora dos Nºs, 182- 184, uma notabilíssima casa do Séc. XVI, com portas de recorte típico desse século e com gárgula de belo efeito cénico junto do beiral do telhado. Tratam-se, em ambos os casos, de soluções únicas na zona em estudo, e raras em todo o Porto, e que importa salvaguardar. De resto, todo o prédio merecia uma atenta intervenção de estudo e restauro, que deveria ser realizada em moldes bastante cuidadosos, sobretudo no que diz respeito ao registo e arquivo do pré-existente. Uma intervenção que é tanto mais delicada quanto apenas o piso térreo desta casa é em pedra, sendo os restantes em taipa. Mesmo as varandas, que são feitas em madeira, imitam a solução arquitectónica utilizada nas suas congéneres em pedra, com pequenas volutas sustentando o estreito piso (uma solução que vemos igual-mente na casa Nº 178-180). Todos estes pormenores conferem a esta casa um lugar especial na história do Porto, não sendo de estranhar que tivesse chamado a atenção ao olhar atento de Gouveia Portuense, que a fixou em diversos apontamentos, alguns publicados na História da Cidade do Porto. Sublinhemos, ainda, que a solução de porta que vemos neste lote é em tudo idêntica á que vemos na Rua de Sant'ana junto ao Nº 47, onde apenas sobrevive uma parte entaipada.
Assinalemos por fim, a presença de duas Alminhas, de diferentes épocas.
- no Nº 89 - Alminha em ferro forjado com Cristo (Séc. XIX ?).
- no Nº 131 - Alminha com tubo de queda de águas pluviais passando-lhe por cima.

 

HOSPITAL E ALBERGARIA DE STª CLARA:
Nesta rua estavam instalados o hospital e Albergaria de Santa Clara, uma instituição possivelmente anterior ao séc. XIII. Seria, seguramente, uma das construções mais interessantes desta rua.

Segundo António Cruz, o Hospital de Santa Clara já existia a funcionar como albergaria em 1295, quando é contemplado no testamento do Cónego Abril Peres. Na realidade, o testamento de D. Abril Peres, Abade de Cedofeita e Cónego do Porto, datado de 8 de Maio de 1295, refere doação monetária "... aa conffraria de Santa Maria de Rocamador e aa de Santa Clara eaa do Louvor e aa Santi Spiritus ...". Em 12 de Janeiro de 1347 o Mosteiro de Cucujães vende duas casas que possuia na Rua dos Mercadores, uma das quais confinava com a Albergaria de Stª. Clara. Em 10 de Novembro 1355 Vicente Peres obriga Afonso Pais a fazer casas de 3 andares junto á Albergaria de Stª. Clara pela quantia de 20 morabitinos. Volta a ser referido em 1393.

O Hospital-Albergaria de Stª. Clara ficava na entrada da Rua dos Mercadores pela banda Norte, próximo da esquina com as ruas da Bainharia e de S. Crispim, à mão esquerda de quem sobe pela artéria (portanto no lado oposto à muralha românica). Há uma planta da parte superior da Rua de S. João e da Rua dos Mercadores, realizada em 1788 e 1789, que mostra a implantação do Hospital das Velhas. Este Hospital deve ser o herdeiro do mediévico Hospital de Stª. Clara. Na actual configuração dos lotes da rua dos Mercadores deve corresponder ao terceiro late á mão esquerda de quem sobe a Rua dos Mercadores, a contar de cima, onde numa planta de pormenor se indica ser a Albergaria das Velhas.

Não seria esta, no entanto a primitiva implantação do Hospital de Stª. Clara já que para a abertura da Rua de S. João teve de ser expropriado, em 18 de Fevereiro de 1789, o edifício do Hospital dos Velhos e Inválidos de Santa Clara.

Artur de Magalhães Basto descreve-o a partir dos documentos como sendo uma capela ou simples altar com várias "câmaras (Alcovas ?) abertas em que jazem os pobres, e três câmaras cerradas, para algumas pessoas poderem viver ou estar". Nas traseiras tinha um sobrado para a espitaleira, cargo que seria um misto de dispenseira e de enfermeira.

O Hospital e Albergaria de Sta. Clara foram anexados por D. Manuel I à Misericórdia.

VIELA DO FORNO
Como já referimos, por trás da Rua dos Mercadores, correndo na base do Muro da Cidade existia uma serventia ou viela, possivelmente a Viela do Forno.
Há uma referência a essa viela em 9 de Janeiro de 1309, quando se registam "huas casas que avedes (o mosteiro de Cucujães) na cidade do Porto per hu vam a Ribeira… e iazem apar das casas de Martim Domingujz das Eiras de hua parte. e a veela per hu vam ao Fforno hu morarom os Gaffos da outra…". A rua "per hu vam a Ribeira" é, como acima referimos, a Rua dos Mercadores. E, por trás dessas casas haveria uma "veela per hu vam ao Fforno", que era onde tinham estado os Gafos do Porto.

Artur de Magalhães Basto, quando tratou dos primórdios da Companhia de Jesus na cidade do Porto, registou documentação moderna que ajuda a esclarecer melhor este aspecto. Na realidade, aquele investigador registou que: "Escreveu o Abade de Miragaia, Pedro Augusto Ferreira, que em remotos eras houvera uma certa "viela de S. Lourenço, que ia da rua de Sant'Ana pera as proximidades do Colégio dos Jesuitas, no Barredo", viela essa (dizia em 1875 o referido Abade) já "suprimido há muito", tendo "o chão do entrada, pela Rua de Sant'Ana" sido "tomado por umas casas que ali mandou construir há poucos anos o sr. Joaquim de Sousa Maia" (Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal, vol. 6.0, pág. 83). Um prazo de 1680, diz, efectivamente, que nas traseiras das casas dum certo António da Rocha, sitas na Rua dos Mercadores, "estava um pedaço de terra baldia, que em outro tempo fôra a rua de São Lourenço, que ia da Rua dos Mercadores para a Senhora do Postigo, e depois (que) se fizera o Colégio se impedira a serventia da dita Rua . Dessa terra - que por direito pertencia à cidade, mas da qual um certo Bento Peixoto, estava em posse disfrutando-a, nela tendo até feito uma parreira, havia "serventia por uns degraus" para as casas daquele, na Rua dos Mercadores, e também possibilidade de se "abrir porta na parede para o terreiro da igreja" do Colégio Novo (Arc. da Câm. Mun. do Porto, Liv. 9 de Prazos, fls. "Prazo de António do Rocha Serieiro de hua piquena de terra (baldia) junto ao Collegio de Jesus e rua de Sam Lourenço" 18 de Maio de 1680)."

Acrescentava um documenta de 16 de Outubro de 1560 que existiam: "humas cassas torres q ella Maria Carneira tinha citas na Rua do forno Junto da dito cassa do companhia as quaes torres E cassas della Maria Carneira são sua erdade as quaes partem de huma banda contra o forno he hum pardieiro (..) E de todas as outras partes ao Redor com a viella que vem da ribeyra pera o forno e tomo ao Redor das ditas torres a Rua da maçebia".

Por fim, registemos um documento de 23 de Novembro de 1550, que para além de descrever uma vez mais a "viela que vai do forno da ribeira para cima", nos fornece curiosos pormenores de algumas das construções que se erguiam nesta zona:

"Em nome de ds. Amen Saibão (...), leall cidade do porto e Rua dos Mercadores pousadas de morada de amRique nunes de gouvea Cidadão da dita Cidade (...), lhe oferecerão humas casas com seu quintall que elles tem de sua morada pera nelas o dito padre (francisquo) fundar huma casa prodesa ou collegio da dito com-panhia e as quaes casas são as que estão na dita Rua dos mercadores que elles ouuerão em dote de João fernandez da mota (...), e da banda de cima com outras cassas que ficarão de argulha as quaes casa tem huma salla forrado e tem sua escada e porta e siruintia com meio portall pera a dita Rua dos mercadores e debaixo destas suas casas fica hu sobrado e humo sobrelogia com toda a lloyea e meio portall que tambem foi do dito Joam fernandez da mota e sua molher e o co(n)cederão gaspar nunez (...), huma tore grande de dous sobrados e forada com sua llogia e seruentia pera hum pateo e porta pera o viella que vai do forno da Ribeira pera cima (…), huma casa com huma chamine e asim tem mais hum quintall grande que vai entestar com ho muro velho desta cidade e parte da banda do norte com houtro quintall de humas casas de duarte carneiro Ranyell (...), com tall declaração que Reseruão pera si ho uso e fruito do sobrado das ditas casas em que elles ora viuem comtesta a Rua dos mercadores que he a dita salla e camara e cozinha com sua escada e portall pera a dita Rua no qual sobrado elles AmRique nunez de gouuea e sua molher elles Ambos viujrão em sua vida digo (sic) em suas vidas per sin e per quem elles quiserem..."
A última referência que encontramos para esta viela remonta a 29 de Julho de 1802, quando se realiza uma vistoria ao "beco tapado nas traseiras" da rua dos Mercadores, que chega à conclusão que não era necessário o "beco da Rua de Sant'Ana", pelo que este poderia continuar entaipado. Esta referência revela-se esclarecedora a diversos níveis. Primeiro, ao referir indiscriminadamente a viela como "de trás da rua dos Mercadores" ou "beco da rua de Sant'ana", elucida-nos sobre o itinerário desta viela, que deveria acompanhar as traseiras da rua dos Mercadores, encostada à base da Muralha Românica, e desembocar na Rua de Sant'Ana, um pouco abaixo da Porta de Sant'Ana, que ao tempo do Auto de Vistoria ainda se encontrava de pé. Em segundo lugar; ajuda a definir o momento em que esta viela, quase serventia, deixou de ser considerada util, tendo sido entaipada. Isto deve ter ocorrido nos finais do Séc. XVIII.

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