ROMANIZAÇÃO DAS TERRAS DA MAIA
ESTUDOS SOBRE A TERRA DA MAIA - IV
Carlos Alberto Ferreira de Almeida
ASSISTENTE DA FACULDADE DE LETRAS DO PORTO
Maia 1969

VIAÇÃO ROMANA

Após a pacificação, um dos primeiros cuidados dos romanos era o de permitir o rápido acesso das suas tropas entre as diversas regiões duma província, assim como o seu abastecimento, e o de facultar aos seus funcionários fácil circulação entre as várias civitates Para isso abriam estradas. As vias romanas têm assim, antes de tudo, razões estratégicas e administrativas e o seu traçado obedece mais a estas motivações que a interesses económicos. Procurando unir, rapidamente, os centros administrativos, o traçado das vias romanas ignorou, muitas vezes, as realidades económicas das regiões por onde passava. Mas, mesmo que inicialmente só servissem ao exército, aos funcionários públicos a às ligações inter-regionais, contribuíram muito para a romanização.

A estrada romana que de Olisipo ia a Braga, citada no Itinerário de Antonino, atravessava as Terras da Maia. Esta via, no seu traçado de Braga até Cale, está relativamente bem definida, tanto por marcos miliários aparecidos, como por restos de pontes romanas. Para sul, a estrada romana seguia por Argoncilhe, onde ela, pela sua estrutura, teve longa duração e permitiu muitas referências documentais medievais. Passando por Ul, onde se encontrou um marco miliário, dirigia-se a Coimbra (Eminium). A passagem do Douro far-se-ia em barcas. Os romanos não tinham possibilidades técnicas de lançar aí uma ponte de pedra. Fariam ponte de barcas sempre que precisassem.

Em direcção ao norte, a via romana passaria a poente, embora não longe, da igreja de Paranhos e seguindo, ia pelas traseiras da actual igreja de S. Mamede de Infesta. Aí, mas mais para leste, esteve um marco miliário, que foi destruído, precisamente, no dia em que o Padre Capela o foi procurar. Hübner a João Pedro Ribeiro, felizmente, tinham-nos dado já a sue lição. Era dedicado ao imperador Adriano.

Daí a via descia à Ponte da Pedra. Esta ponte, no seu estado actual, é medieval, mas tem fundamentos romanos. Na sua estrutura vêem-se ainda muitas pedras de aparelho romano, algumas almofadadas.

A estrada romana seguia pela crista da zona seguinte, pelos limites das actuais freguesias de Leça do Balio a Gueifães. Vinha ao Picoto, lugar hoje chamado Vila da Maia, e à Pinta. Neste troço confinavam as freguesias de Barreiros e de Vermoim da Maia. A partir da Pinta a via, fugindo aos terrenos pantanosos de Barca, cortava à esquerda da actual estrada Porto - Braga, indo por Mandim e servindo de limite às freguesias de Barca a Moreira. Seguia por S. Pedro de Avioso, pela parte alta, pelos limites de Guilhabreu. Descia depois a Alvarelhos, pela parte ocidental da Quinta do Paiço, onde se encontra um miliário de Adriano, ia à Peça Má, onde, parece, se encontrou outro miliário. Seria de Constâncio. Passando por Lantemil a Trofa Velha ia cruzar o rio Ave, não na Ponte da Lagoncinha, mas mais a jusante, no lugar do Vau (Santiago de Bougado) e em vau. Neste trajecto temos ainda outros miliários. Um em S. Pedro de Avioso, muito apagado , no lugar do Ferronho. Outro em Lantemil, de Licínio , a na Trofa Velha, restos de um de Marco Aurélio a dois de Constante. Um fragmento de outro encontrou-se no lugar da Carriça.

A ponte da Lagoncinha, na sua forma actual, é uma notabilíssima construção da última parte da Idade Média. O seu aspecto gótico não oferece dúvidas. Mas já antes, na época românica, aí existia uma ponte, dita antiquam, na carta do couto do mosteiro de Santo Tirso. Devia ter sido construída na Alta Idade Média ou, com menor probabilidade, nos fins do Império romano. O primeiro arco do lado sul, de volta perfeita, e não quebrado como os outros, com os seus blocos dispostos, alternadamente, em testa e em peito, mostra-nos uma técnica romana que se perderia na Idade Média, após o período árabe. Não admira que este arco se tenha podido conservar: está fora do leito do rio e em zona bem firme.

A passagem do rio, em direcção a Braga, nos tempos imperiais romanos e até, tradicionalmente, nos tempos posteriores, far-se-ia no lugar do Vau. Segundo escreve o Sr. Doutor Prof. António Cruz "neste lugar ainda o leito do rio mostra, por vezes, um lajeado que foi preparado para facilitar a passagem a uma pedra de grande dimensões, destruída há poucos anos por um lavrador, marcava o ponto de entrada na água".

Seguia a via romana por Cabeçudos, onde, em Santa Catarina, existe um miliário de Caracala e ia passar a oriente de Famalicão, em Santiago de Antas, Nesta zona aparecem quatros marcos. Um em Portela de Baixo, outro na Devesa Alta, a os outros dois, perto da residência paroquial de Antas. Cortando ainda mais a oriente, a estrada romana ia à freguesia da Portela, onde apareceu um miliário que, inédito, se encontra no Museu do Seminário de Filosofia de Braga. Descia então a Braga, passando a Penso e a Lomar.

Esta via deve ter sido feita pelo imperador Adriano (117-137) ou então foi seriamente reformada por ele, pois muitos dos seus marcos miliários lhe são dedicados.

Embora o Itinerário de Antonino nos cite uma só estrada a cruzar esta região, poderemos perguntar se não haveria outras, pois sabemos que o dito Itinerário não cita todas as vias. Supomos que nesta zona, mais da banda do mar, havia outra via romana que ia cruzar o rio Leça no Araújo, na Ponte da Azenha, onde descobrimos elementos romanos. É esta via que estará na base da Karraria antiqua que a documentação medieval da região cita.

Vinda de Cale (Porto) ao Araújo, esta segunda estrada não passaria longe de Cedofeita, Monte dos Burgos. Viria ao Padrão da Légua, passando o rio Leça na Ponte da Azenha. Daqui, podendo um ramal ligar à via de Braga, a estrada seguiria por Moreira, servindo a zone marítima. Uma via algo parecida com a que de Braga partia, «Per loca maritima». Talvez ligasse mesmo com essa via, a qual é referida por Antonino.

Qual a justificação para este traçado?

Para o estudo das vias romanas o testemunho mais seguro são as suas pontes, já que o estudo dos vestígios de calçada oferece particulares dificuldades. Os miliários são elementos preciosos, mas, pela sua utilidade para esteios, pedestais, etc., foram muitas vezes afastados dos seus locais primitivos , e outras vezes destruídos.

A Ponte da Azenha, de dois arcos de volta perfeita, de pouca altura, com dois talhamares a montante, embora tenha sido reconstruída, uma ou mais vezes, em tempos posteriores, porque tem mesmo algumas pedras sigladas, tem num dos seus arcos cinco aduelas almofadadas à romana. O aparecimento deste testemunho vem atestar uma segunda estrada romana, na zona maiata, que seguia a oeste da actual estrada nacional Porto-Braga.

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